30.10.06

A Grande Redação

A Grande Redação

Por Paulo Heuser

As escolas de ensino médio viram-se frente a um grande dilema. Para o quê preparariam seus alunos? Para o vestibular ou para a vida? Supondo que há vida após o vestibular, bem entendido. Muitas escolas transferiram a decisão aos pais dos alunos, realizando autênticos plebiscitos. Ocorreram profundas transformações na forma de aplicar os exercícios, naquelas onde o vestibular venceu. Passaram a aplicar os exercícios e as provas no formato das provas dos vestibulares das mais conceituadas universidades e escolas de nível superior do País, auxiliados pelos livros didáticos recheados com questões dos vestibulares do ITA – Instituto Tecnológico da Aeronáutica.

As provas e os exercícios de escolha simples contribuíram para a produção de uma geração de alunos que conseguem ler. Quanto à escrita? Bem, aí a coisa se complicou. Criaram peritos nos x das questões, desde que os x não fizessem parte de uma equação presente em prova dissertativa. Alguns vestibulares trazem problemas cujas respostas estão sutilmente contidas nas próprias questões. Os alunos aplicados se saem bem nessas questões. Uma legião de espertos também se dá bem, mesmo os não tão aplicados. São os peritos em soluções de escolha simples, treinados pelos cursinhos. Decoram algumas propriedades que permitem soluções mais rápidas, sem grandes cálculos nem entendimento teórico.

Conquistada a vaga, vem a surra, conforme o curso e a universidade escolhidos. Ainda há provas dissertativas no ensino superior. E agora, como se escreve uma resposta?

A introdução da redação nas provas dos vestibulares foi uma tentativa de selecionar os candidatos alfabetizados. As escolas com ênfase no vestibular passaram a treinar seus alunos para a redação de textos, nos formatos estabelecidos pelas provas de vestibular. Algo melhorou, sem dúvida. Foram treinados, exaustivamente, na redação de textos com mais ou menos 40 linhas, não menos de 30 e não mais de 50 linhas.

Artemícrates - filho de Artemísia e Sócrates – foi inaugurar o Título de Eleitor. Havia se engalfinhado numa discussão política com os amigos, na noite anterior, no posto de gasolina (e de cerveja). Alguns defendiam o voto na nova tia do soco no ar, outros o voto no tradicional bigodudo dos gestos amplos. Ele sabia o que queria. Passada a ressaca do aquecimento para a eleição, levantou-se no início da tarde e foi aos fatos.

Acabrunhado, Artemícrates voltou meia hora depois que saiu. Seu abatimento não passou despercebido. Sócrates lhe perguntou sobre a experiência do exercício do direito e do dever do voto:

- Como te saíste, filho?

- Médio...

- Médio como? Votaste apenas para governador ou apenas para presidente?

- Pô pai, sacanagem aquilo lá! Eu não sabia que não era de cruzinha. E quando é de se escrever mandam a gente fazer de 30 a 50 linhas. Lá tinha apenas uma! E não havia letras, apenas números. Não sei se fui bem...

E a vida? A vida se acerta após o vestibular, se é que realmente há vida após o vestibular.

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