Horizontes Perdidos
Horizontes Perdidos
Por Paulo Heuser
O horizonte é um dos referenciais importantes que mantemos. Todos sabemos onde fica. Podemos não saber exatamente o que há após, especulamos apenas. Pode ser o esconderijo do pote de ouro no fim do arco-íris, que sempre termina após o horizonte. O objeto de algumas esperanças também está após o horizonte. À medida que caminhamos algumas também caminham, sempre fugindo.
Por Paulo Heuser
O horizonte é um dos referenciais importantes que mantemos. Todos sabemos onde fica. Podemos não saber exatamente o que há após, especulamos apenas. Pode ser o esconderijo do pote de ouro no fim do arco-íris, que sempre termina após o horizonte. O objeto de algumas esperanças também está após o horizonte. À medida que caminhamos algumas também caminham, sempre fugindo.
Horizontes bons eram os antigos. Ficavam lá, fixos, imutáveis. Ocasionalmente, alguém cortava uma árvore, causando um estrago no horizonte. Ficava um horizonte banguela. Nada que não pudesse ser absorvido após alguns meses. Afora esses acidentes de percurso, passavam-se gerações sem que o horizonte fosse muito alterado. Ao fim de um dia estafante, nada como ficar sentado fitando o horizonte, que parecia atemporal, outro lugar, sem um tempo discreto. O horizonte apenas está lá, como um enfeite do nosso cenário.
Hoje só temos uma certeza quanto ao horizonte das cidades. Mudará, rapidamente. Constroem-se torres sobre edifícios, estes sobre casas. A impressão deixada é a de que construirão um mezanino sobre os espigões, para construir novos espigões, feito Tróia, soterrada sob várias camadas de cidades. Naquele tempo, as guerras arrasavam as cidades, reconstruídas sobre os escombros das anteriores. A especulação imobiliária tomou o lugar das hordas de Menelau. Erguem-se espigões de 18 andares onde já havia outros de dez. Minicidades, na verdade. Há quem possa viver anos lá dentro, sem sair de um desses condomínios. Os apartamentos do décimo terceiro andar têm uma vista indevassável, até que constroem outro, no terreno ao lado. Os ex-felizes proprietários da maravilhosa vista agora olham para paredes e janelas. Com sorte, manterão parte da vista através das janelas do prédio vizinho. Ou poderão acenar para os moradores dos céus, ao lado.
As novas minicidades contam com piscinas. E uma insolação digna de um fundo de vale nos Alpes. O sol nasce às 11 horas, sobre o prédio da direita, pondo-se às 13 horas, sobre o vizinho da esquerda. São os horizontes modernos, angulosos, retos, frios. Nenhum Leprechaun – baixinho mitológica irlandês – que se preze esconderia seu pote de ouro após um horizonte desses. Horizonte que cria o pote de ouro dos novos Leprechauns, os especuladores imobiliários. Em nome da modernidade, e de mais algo que não consigo definir exatamente, os planos diretores das cidades são alterados para permitir a destruição das velhas Tróias, dando lugar às novas, cada vez mais altas.
Sentei-me ontem no sofá. Dei-me conta que perdi mais um pedaço do horizonte, em direção ao sudeste. Lá surgiu uma monstruosidade de concreto e tijolos, onde antes havia apenas o horizonte. Não há esperança de que exista algo após aquele novo horizonte. Ali a esperança morreu.
E-mail: prheuser@gmail.com
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