6.12.06

A Rua

A Rua

Por Paulo Heuser


A Rua Caldas Júnior está novamente interditada. Pelo novo buraco. Ou será o velho? Ontem encontraram um buraco, ao fazer outro. Acreditam que é parte da obra do PCC, expulso do prédio da esquina com a Mauá. Este mesmo prédio foi invadido, há duas semanas, pelo MSTeto, que por sua vez recebeu uma invasão do MST. Esta rua vive momentos estranhos. Como já viveu no século passado, com igualmente estranhos personagens.

Aí por 1980 - não direi o tradicional se não me falhe a memória, pois a mesma já falhou, há muito -, durante o governo do general João Figueiredo, havia uma disputa entre grupos pró e contra a distensão política. Grupos “patrióticos” e “moralistas” pressionavam os distribuidores de revistas e as bancas para que deixassem de vender jornais e revistas considerados imorais ou comunistas. Nesse ano ocorreram diversos atentados à bomba, principalmente no Rio de Janeiro, um contra a OAB, diversos contra as bancas de revistas.

O que os atentados do século passado têm a ver com a Caldas Júnior? Tiveram algo a ver, naquela época. Eis que eu estava participando de um curso no Rio, quando meus colegas cariocas comentaram que havia ocorrido um atentado em Porto Alegre. Sem Internet, só consegui notícias através dos jornais impressos. Após vasculhar alguns, encontrei a tão procurada notícia. Seria um atentado contra a OAB? Ou o alvo seria a imprensa? Nem um, nem outro. Ocorrera uma explosão na minha tão familiar Rua Caldas Júnior, quase na esquina com a Riachuelo. Parecia obra de uma brigada moralista, pois o alvo fora uma casa de costumes, como se dizia na época. Lembro-me dela, por fora, bem entendido. Subitamente, no meio da madrugada, uma imensa explosão lançou pela janela o cidadão, cujo nome não lembro, cuja alcunha não esqueço. Pois o vivente usava o codinome Luisa Felpuda. Não havia como esquecê-lo, não é? Luisa Felpuda alçara vôo, estatelando-se no meio da Caldas Júnior. Assim como a funcionária Lydia Monteiro da Silva, da OAB do Rio, Luisa Felpuda, da Caldas Júnior, morreu. Involuntários personagens de eventos isolados de explosões, que tiveram o mesmo fim.

Acreditava que o Luisa Felpuda caíra no esquecimento. Que nada! Encontrei um texto recente que faz menção ao episódio, e ao codinome do personagem. São esses eventos, que não são varridos da memória, pelo Mata Bancário – versão local do Minuano -, que tornam esta pequena e estreita rua tão diferente.

Sei que hoje, ao chegar ao trabalho, ouvirei o ruído dos martelos pneumáticos abrindo buracos em torno do já existente. Ecos de eventos passados.

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