22.12.06

Cybercondríacos e Powerpointlessnessiosistas

Cybercondríacos e Powerpointlessnessiosistas

Por Paulo Heuser

Impressionante um artigo entitulado Just can´t get e-nough – de difícil tradução, pelo trocadilho de enough (suficiente), e-suficiente, no caso –, publicado na revista New Scientist de 20 de dezembro, a respeito de comportamentos viciosos dos internautas. Alguns comportamentos obsessivos já estão sendo encarados como doenças. Há a classe dos cybercondríacos, que procuram descrições de doenças através da Internet. Quando picados por mosquitos, saem à cata de e-curas – descrições virtuais de curas. Acabam encontrando um artigo de uma obscura Enciclopédia Virtual Leiga de Medicina Alarmista, que lhes recomenda extremo cuidado com coisas que parecem marcas de picadas de mosquitos. Poderão ser depósitos de ovas do Devorossaurus armagedonium, verme da Ilha de Cracatoa que costuma devorar suas vítimas, de dentro para fora. Ou então, na melhor das hipóteses, uma chaga que implicará a amputação do membro afetado.

Já havia uma visão tão otimista como esta antes do advento da Internet. O Dr. Benjamin Spock (1903-1998) – nada a ver com o vulcano – escreveu o livro intitulado Meu Filho, Meu Tesouro, em 1946. Comprei o livro, motivado pela perspectiva de ser pai. Ninguém em sã consciência teria filhos, após ler alguns capítulos daquele livro. Deveria se chamar O Pesadelo da Paternidade ou 10.000 Doenças Inimagináveis. O homem não era exatamente um prodígio de otimismo. Choro poderia ser interpretado como uma manifestação de tumores cerebrais ou graves lesões na medula. Se o capetinha batesse o martelo de plástico no dedo, havia de se tomar extremo cuidado! Poderia se fazer necessária uma cirurgia exploratória para verificar a possibilidade de dilaceramento ósseo. Tosse poderia ser um indício de terríveis lesões no sistema respiratório. São essas coisas que dão segurança aos novos pais. Nunca tive coragem para ler o capítulo sobre febre. Acabei dando o livro, em uma festa de amigo secreto. Tão secreto que não fui à festa e não coloquei cartão que permitisse identificar o doador do presente de grego.

Um pesquisador chamado Mark Griffiths, especialista em vícios, da Universidade Nottingham Trent, Reino Unido, afirma que podemos nos viciar em qualquer coisa que fazemos. Será? Não imagino um viciado em declarações do imposto de renda. Nem viciados em prisão de ventre. Há outra neodoença, chamada Powerpointlessness – realmente intraduzível – que caracteriza o vício em produzir apresentações cheias de efeitos, utilizando PowerPoint. Pensando bem, já fui vítima de alguns powerpointlessnessiosistas. Estima-se que uma boa apresentação demande tempo na proporção de 80% em pesquisa, e concepção intelectual, e 20% na produção da apresentação. Os powerpointlessnessiosistas invertem essa ordem.

Doença legal é o wikipediolismo. Os wikipediolistas são viciados em editar entradas na Wikipedia – enciclopédia livre. Bryan Derksen é um canadense viciado confesso em edição de entradas: editou mais de 70 mil. Outra moléstia moderna é Blog streaking. Os blogstreakistas costumam divulgar coisas pessoais em blogs e ... e ... bem, isso é doença? Acho completamente normal. Qual é o mal, afinal? Que gente!

E-mail: prheuser@gmail.com