16.1.07

Maldição da Corrente

Maldição da Corrente

Por Paulo Heuser

Correntes fazem parte da vida. E do pós-vida também, haja vista o número de filmes nos quais os fantasmas as arrastam, aterrorizando as pobres almas ainda não-penadas que tentam dormir. Já na primeira vez que enfiamos o dedo na tomada, quando pequenos, descobrimos a corrente elétrica, da maneia mais eletrizante. Os sobreviventes conhecem outras correntes, como as fluviais e marítimas. Houve a época das correntes no volante dos carros, para evitar o furto. Depois passaram a roubar o carro para vender a corrente como sucata. Vieram também as correntes nas motos, nas bicicletas e, mais recentemente, nos notebooks. Há relatos de gente que teve furtados o notebook e a mesa à qual este estava acorrentado. Correntes nos portões, nos botijões de gás, em tudo que queremos proteger. Há também correntes de fé, religiosas ou esportivas.

Lembro-me da primeira corrente de tralhas que conheci. Era uma corrente de flâmulas. Colecionavam-se e trocavam-se as ditas flâmulas, que acabavam pregadas na parede do quarto, mistos de decoração e troféu. Os melhores alunos recebiam flâmulas como prêmios pelo desempenho, empiristicamente. Eis que surgiu uma daquelas clássicas correntes. Bastava se enviar três flâmulas, para três pessoas, que as enviariam para outras três, colocando-se em algum lugar de uma lista, e assim por diante. Em pouco tempo, seriamos soterrados com as flâmulas enviadas pelas novas pessoas da lista. Como duvidávamos da conservação da energia, e acreditávamos piamente na conservação da idiotice, saíamos enviando flâmulas pelo correio. Recebíamos... uma, quando afortunados. Algum tempo depois, os irmãos Estélio e Natário criaram as correntes de dinheiro. Aí a coisa acabou na polícia. Mas, como gostamos de ser engambelados pelas promessas de enriquecimento fácil, acabamos caindo nessas. No Século XX surgiram pirâmides de vendas de jóias, e outras coisas, inspiradas nas correntes. Pessoas aparentemente aculturadas eram convidadas a participar de sessões de marketing mesclado com lavagem cerebral, para vender jóias baratas, de porta em porta, repassando o grosso do lucro aos que se encontravam no topo da pirâmide. Conheci um sujeito, beirando a genialidade, que voltou babando de entusiasmo de um evento desses. Criaram rituais de iniciação e juramentos de segredo. Quem revelasse a fórmula secreta da fortuna, sofreria duras penas. A primeira vítima desses embustes deve ter sido Thor, filho de Odin e Jord, deuses da mitologia nórdica. Thor tinha um irmão chamado Loki, nada heterodoxo nas práticas sociais e comerciais. Deve ter sido este, quem convenceu Thor a dar martelas em ferro para transmutá-lo em ouro. Thor deveria ter acorrentado seu martelo, antes de dormir. Há relatos mitológicos de que Loki o roubava, durante o sono de Thor. Se o martelo realmente funcionava como agende da transmutação, não sei. Mas que quebrou muitas cabeças nas tentativas, isso quebrou.

Recebi a terceira corrente de 2007, trazida por e-mail. Em 2006 devo ter recebido dezenas, perdi a conta. As e-correntes – correntes por e-mail – se valem de um estratagema para garantir a própria propagação: ameaçam o destinatário de múltiplas desgraças, caso a interrompam. Uso um truque para não cair nas correntes. Não as leio. Porém, elas continuam chegando. Às vezes disfarçadas. A que recebi hoje, foi a gota d’água. Enfureci-me, resolvi jogar pesado, realmente pesado. Não acredito em correntes, mas quem as manda, acredita, mesmo que apenas lá no fundo, bem no fundo, onde a razão se esconde sob a emoção. Pois bem, quem me mandar qualquer tipo de corrente será amaldiçoado com a Maldição da Corrente do Nilo, recém-inventada, orgulhosamente. “Proudly made in Brazil” – Orgulhosamente feita no Brasil –, apesar da inspiração egípcia.

A Maldição da Corrente do Nilo invoca as Sete Pragas da Corrente do Nilo. Os espalhadores de e-correntes:

1. Terão a boca cheia de escaravelhos devoradores de línguas e próteses dentárias caras;

2. Serão visitados por sete vendedores de enciclopédias, seguidos de sete vendedores de planos de saúde, seguidos de sete ligações de operadores de telemarketing – versões tupiniquins das pragas de gafanhotos;

3. Serão obrigados a pagar sete contas, em sete lotéricas, no dia 31, sexta-feira, com a Mega-Sena acumulada há 24 semanas;

4. Serão condenados a viajar de avião a Porto Seguro, nos sábados de sete Carnavais;

5. Serão obrigados a assistir às cerimônias de posse de sete governadores, em trajes formais;

6. Para cada corrente que me mandarem, nascerão sete berrugas no nariz de quem as mandar;

7. Para cada corrente que me mandarem, terão sete dias de diarréia, dentro (do mesmo) elevador emperrado.

Nenhum truque, de mandar a maldição de volta, funcionará. Quem mandá-la de volta, a terá sete vezes, completa, inclusive com o elevador. Para que a maldição faça efeito, basta enviá-la para sete pessoas, que, por sua vez, as enviarão para outras sete...

E-mail: prheuser@gmail.com