20.1.07

Invasão de Privacidade

Invasão de Privacidade

Por Paulo Heuser

Há vinte anos atrás, quem fosse flagrado falando em altos brados nos reservados dos toaletes de prédios públicos, ou comerciais, seria considerado louco. Ou pensariam que entrara ali acompanhado. Ontem ouvi três pessoas falando, não entre si, num toalete desses. É o fim da privacidade, consentido, por sinal. Quem leva o telefone móvel celular ao toalete, ligado, merece receber uma chamada. E atendê-la. Fico imaginando consultores de etiqueta falando ao telefone no toalete, enquanto o vizinho puxa a descarga. Hoje a empurramos, na verdade. A puxávamos no tempo que havia uma corrente que saía de uma caixa elevada. De qualquer forma, puxada ou empurrada, a descarga de água no vaso sanitário provoca um som inconfundível, talvez devido às características morfológicas quase padronizadas dos vasos, padronizando também a acústica. Os modelos de tampas variam muito, de forma, de cor e de conforto. Das tampas rachadas, ninguém se esquece.

Uma das coisas mais engraçadas que li, até hoje, foi um conto chamado O Especialista, de Charles Sale, que deu título à antologia O Especialista e Outros Contos, Editora Globo, 1968. Lá o autor narra suas experiências de vida profissional como fabricante de cabungos. Os mais urbanos não os conhecem. São os sanitários sem, digamos assim, dispositivos hidráulicos de descarga, utilizados nos locais mais próximos da Mãe Natureza. Os cabungos, completamente ecológicos e orgânicos, operam com base na Lei da Gravitação Universal, de Isaac Newton, também conhecida por Lei da Gravidade. Sempre desconfiei daquela história da maçã. Creio que Newton não estava debaixo da macieira. Os cabungos apresentam uma grande vantagem sobre os vasos sanitários urbanos, modernos: o silêncio, do mecanismo de descarga, bem entendido. Principalmente quando localizados sobre um barranco alto, na beira de um rio. Neles, ninguém ao celular seria pilhado puxando a descarga, já que não há o que puxar.

A invasão da nossa privacidade não se faz somente pelo celular. Com o sono atrasado há dias, resolvi dedicar umas horas a mais do meu sábado ao sono. Em vão, uma operadora de telemarketing resolveu alegrar minha manhã, telefonando para minha casa. Quando reclamei do inconveniente do dia e da hora, recebi a justificativa que ela estaria em seu horário de trabalho. Ou seja, quando as malditas empresas de telemarketing trabalham, também devemos trabalhar, passivamente, mas trabalhar, pois passamos a fazer parte do negócio deles. Já imaginaram se todos os restaurantes da cidade resolverem lhes ofertar seus produtos e serviços, através do telefone, no domingo, cedinho na manhã? “- Bom dia! O senhor não gostaria de provar nosso rodízio de abóboras de pescoço? Ou nosso rodízio de melancias?”.

Aceito ser marketado através da mídia falada quando esta se limita àquilo onde eu tomo a iniciativa de me pré-dispor a ser alcançado. Eu ligo a tv e o rádio, portanto, aceito ser alcançado. O que considero inadmissível é a invasão através do telefone, com muito pouca ou nenhuma chance de defesa. Esse negócio de alcançar o cliente – ou vítima –, a qualquer custo, tem hora e lugar aceitáveis.

Viva o cabungo! Lá o celular não pega. Além do que, para que raios iria alguém lá querer um cartão de crédito?

E-mail: prheuser@gmail.com