18.1.07

Qual Era o Assunto?

Qual Era o Assunto?

Por Paulo Heuser

Há um monte de anos a.C. - monte com seis dígitos - inventaram a reunião. As primeiras foram promovidas para esfolar alguém, ou para evitar que alguém fosse esfolado por outro alguém maior, ou mais numeroso. Não havia pauta nem ata. Apenas rosnados e grunhidos. Conduzia a reunião, ao redor do fogo, quem rosnava mais alto. Os outros grunhiam, resignados. Hoje ainda há muitas reuniões desse tipo. As assembléias de condomínio são uma evolução, tímida, mas uma evolução. Apresentam pauta e ata, mesmo que apenas protocolares. Os rugidos e grunhidos continuam sempre presentes.

Joseph Stalin foi um promotor de reuniões peculiares, onde sumiam protagonistas, no ato, ou após, sem constar da pauta ou em ata. O herói bolchevique Sergey Mironovich Kirov foi um deles. Sussurrou o que não devia, durante uma reunião, e foi morto ao virar a esquina. Outros sumiços se seguiram, no período que passou a ser conhecido como Grande Expurgo, após 1934. Stalin está imortalizado numa foto da Conferência de Yalta, Criméia, em fevereiro de 1945, ao lado de Churchill e Roosevelt. O que impressiona, naquela foto, é a atmosfera de aparente informalidade e intimidade dos três protagonistas. Se parecem com os vovôs reunidos na festa de bodas de ouro. Ali seriam selados os destinos de alemães e poloneses. Poucas fotos reúnem tal concentração de poder. Um estalar de dedos poderia desencadear um novo conflito mundial. A conspiração estava presente. Como esteve na pintura que Lodovico Sforza encomendou ao seu protegido Leonardo Da Vinci - A Última Ceia (Il Cenacolo) -, retrato de uma reunião ocorrida há dois mil anos, da qual surgiu o maior movimento religioso do ocidente.

Adolf Hitler participou de uma reunião bombástica, literalmente, em 1944. Vlad Drakul (1431-1476), o Empalador, promoveu reuniões inesquecíveis, das quais derivou seu apelido. Os mafiosos ítalo-americanos, das décadas de 20 e 30, do século passado, passaram a resolver suas rusgas em célebres reuniões, tentando fazer jus ao ditado “La Vendetta è un piatto chi si gusta freddo” – A vingança é um prato que se come frio.

Sonhei esses fatos, certa feita, enquanto acordava de um sonho-acordado, pensando em como acordar o sujeito que roncava ruidosamente, do outro lado da mesa. Um sujeito que tinha a capacidade de dormir em reuniões entre duas pessoas, coisa um tanto constrangedora, pois deixava o interlocutor com a impressão de que conseguia sedar as pessoas apenas com as palavras. Um anestesiologista verbal. Era necessário acordar o sujeito, a cada pouco, deixando cair pastas, cadeiras, etc.

As reuniões com mais de um participante são eventos tão complicados, que suscitam teses, consultorias e livros. Os maiores desafios enfrentados pelos consultores em reuniões são a convocação e a condução das reuniões com o cliente. Muito úteis, quando realizadas no tempo certo, com os participantes certos, com pauta (incluindo um objetivo) e ata, as reuniões sabem se transformar em pesadelos, quando mal administradas. Há muitos tipos de reuniões, e muitos tipos de participantes.

O tipo mais clássico de reunião é a reunião-fim, cujo objetivo é a própria reunião. Geralmente inicia quando algum superior diz ao subalterno: “- convoque uma reunião para decidir o assunto da implantação do projeto X”. Por alguma estranha razão, o subalterno ouve toda frase, mas coloca um ponto após a palavra reunião, que deixa de ser meio e passa a ser fim, apagando o resto da frase. Essas reuniões não terminam, geram outras, que por sua vez se multiplicam, criando comissões temporárias, inicialmente, permanentes, depois, culminando com a criação de secretarias e, por fim, ministérios. Ainda veremos uma reunião-nação. Sem que se saiba exatamente a que veio. Tudo para decidir... o que era mesmo?

As reuniões sempre têm um Coordenador, que a inicia, com a etapa de amenidades, como manda a etiqueta, enquanto aguarda a chegada dos inevitáveis atrasados. O período de amenidades, que dura por volta de 45 minutos – deveria durar cinco -, abrange os mais variados assuntos, do futebol à política. Apenas o assunto em pauta – qual era mesmo? - fica proibido. Decorrido o período regulamentar de amenidades, passa-se à convocação-relâmpago dos ausentes, através do telefone, período conhecido como pós-amenidades, no qual se trata de... amenidades. Não dura mais do que 20 minutos. Para que não se perca tempo, hora do café. Nesse momento, um dos convocados deixa a reunião, pois vai participar de outra, que iniciará discutindo... amenidades. Gente hábil sabe transformar seu dia numa... amenidade, basta se inserir na lista de convocados de umas oito reuniões. Stalin, Churchill e Roosevelt devem ter jogado Diplomacia e War (guerra), no período de amenidades. Depois, as praticaram.

Toda reunião conta também com um ou mais Pavões. O Pavão já chega ruidoso, espalhando penas e piadas para todos os lados. É um sujeito sempre suspeito. Pode ser um agente de dispersão do foco da reunião, atraindo as atenções enquanto outro participante ataca. Pode também ser um sujeito que tenta, e muitas vezes consegue, se impor pela simpatia e espontaneidade. Ou, pode ser apenas um pavão narcisista.

Há também os participantes denominados Hologramas. Parecem estar ali, mas não estão. Viajam em pensamento, enquanto sorriem e fazem sinais de entendimento do que não pode ser entendido, pois nada foi exposto, nem eles estavam de fato presentes. Os Hologramas também costumam desenhar, jogar no computador e unir clips, formando correntes. Neste caso, classificam-se como Hologramas Artesãos.

Um tipo particularmente destruidor de reuniões é o Placebo, que houve, discute, mas não tem poder de decisão. Faz constar da ata que pedirá o amém do patrão para o que “decidiu”. Enviar Placebos às reuniões é uma velha tática para postergar projetos. Pior do que o Placebo é o Placebo Prolixo, que, além de nada decidir, tira o foco de qualquer discussão, transferindo-o para o método de discussão, ou para qualquer outro assunto que não esteja na pauta.

O participante Messias reina sobre tudo e sobre todos, além de tudo saber. Está em todas as reuniões, pois vive delas, e nelas. Nada o satisfaz, senão a própria voz e a própria opinião. Leva suas atas prontas, irretocáveis, já as distribuindo no início da reunião. Concorda com tudo que parte de si, discorda de tudo que parte de outrem. Pompa e circunstância são seus lemas, imagem e discurso, seus temas.

O Armador é um sujeito muito utilizado. Prepara o terreno, atraindo raios e trovões, para que outro participante apresente uma proposta. Chegam como desconhecidos, partem sócios. Nada se compara, no entanto, com os Nervolingüiças, denominação atribuída aos neurolingüistas, treinados na arte de manipular os neurônios dos demais participantes, através da palavra. Um sujeito desses teria convencido Stalin a ceder a Polônia para Churchill e a Alemanha para Roosevelt. Também teria convencido Hitler a ninar a bomba no colo. A única forma de neutralizar um Nervolingüiça é colocação de um Cisão na lista de convocados da reunião, desde a primeira etapa de amenidades. Cisão é um agente da cizânia – como o Caius Detritus de Asterix. Este deverá espalhar boatos, durante a etapa de café, de que o Nervolingüiça assumirá a presidência da instituição. Feita a semeadura da intriga, vem a colheita da discórdia, anulando as manipulações verborréicas dos Mestres das Sinapses, como também são conhecidos os Nervolingüiças.

Não se pode esquecer do Seboso Refratário, tipo de participante aparentemente exemplar. Polido, gentil, educado, concorda com tudo e promete ações imediatas. Porém, nada faz do que prometeu. Na próxima reunião, fará relatos de dificuldades extremas enfrentadas na execução das ações. Irá além, agradecendo aos céus por não terem permitido a execução dessas ações, que o tempo mostrou anacronismos inúteis, apenas cinco anos depois da decisão.

Vivemos uma época de reuniões, muitas reuniões. Foi-se o tempo em que as decisões ficavam centralizadas na mão de um, ou de poucos. Estamos na era do trabalho em grupo, cooperativado. Há quem faça da vida uma grande reunião, cuja ata se encerra apenas quando é convocado para a Grande Reunião.

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