28.1.07

Especialistas

Especialistas

Por Paulo Heuser

Até que a coisa funcionou, até o final do Século XX. Todas as 53 profissões úteis e necessárias, na sua maioria, estavam regulamentadas. Havia profissões estranhas e curiosas, mas no geral a regulamentação profissional era coerente com a realidade. E a legislação se adaptou aos mercados. Quando os técnicos em alguma coisa começaram a invadir o mercado das profissões clássicas, como a engenharia, regulamentaram as profissões de tecnólogos em alguma coisa. Não sem antes sofrer grande resistência, por parte dos já regulamentados. Reservas de mercado são da natureza humana. Por fim, Bismark venceu, a diplomacia mostrou a todos que juntos ganhariam. Assim os conselhos profissionais agregaram uma massa de trabalhadores recém-regulamentados. As contribuições não fizeram mal ao caixa. E surgiram os novos sindicatos, fábricas de homens e mulheres que vão exercer o poder, em algum dia do futuro.

O mercado do ensino superior não ficou para trás. Altas mensalidades e tempo exíguo foram os motores da revolução profissional, antecipando-se ao próprio mercado. O mercado não estaria suficientemente amadurecido para conhecer suas próprias necessidades profissionais. Havia de se criá-las, preventivamente. Antes que sentissem falta dos profissionais que nem sabiam existir, nem para o que serviriam. Algo que antecedesse o pró-ativismo. Assim surgiram as especialidades de Designer de Pingüim de Geladeira e Técnico Hidráulico em Evacuação de Dejetos Domésticos, antes conhecido como limpa-fossa. Cursos bem completos, com duração de três anos, garantiram a formação de novos profissionais à altura do mercado. O primeiro inclui disciplinas de Biologia Marinha, Glaciologia, Sociologia, História, Artes, e tudo o mais necessário para projetar pingüins de geladeira plenamente funcionais. Já imaginou se qualquer um pudesse desenhá-los? Que horror! Para nossa sorte, e das nossas geladeiras, logo estará constituído o Conadepigeas - Conselho Nacional de Designers de Pingüins de Geladeira e Assemelhados. Tão logo consigam desemperrar o processo eleitoral da primeira diretoria, suspenso judicialmente. Logo virão também os Coredepi – conselhos regionais. Novas eleições, novas taxas. Tiveram o cuidado de deixar o Assemelhados, pois os designers de galos portugueses andavam agitando as asas. Galos e pingüins têm tudo em comum, afora alguns detalhes.

Quando o número de profissões chegou em 1327, com a regulamentação da profissão de Estilista de Peruca de Manequim de Vitrine, o mercado começou a notar que algo não ia bem. As universidades passaram a criar os cursos sob demanda, onde a demanda mínima era um. Sim, um candidato interessado em se tornar Lapidador de Sonhos Adolescentes bastava para abrirem um novo curso, em paralelo com o processo de regulamentação da profissão. O custo começou a ficar insustentável. A sociedade como um todo passou a pagar uma conta muito alta pela excessiva regulamentação. Ninguém mais podia jogar nada fora, sem antes contar com o inestimável auxílio de um Técnico em Descarte Doméstico. As empresas terceirizaram todas as suas atividades, pela incapacidade de manter em seus quadros o número mínimo de empregados nas profissões regulamentadas. As empresas de fornecimento de mão-de-obra também foram obrigadas a contratar cooperativas de profissionais regulamentados. Essas cooperativas também foram regulamentadas, gerando novas ocupações, como a de Técnico em Cooperativismo dos Técnicos em Substituição de Rolos de Papel Higiênico e Assemelhados (há o papel-toalha). Novas profissões, novos regulamentos, novas eleições. Fez-se necessário criar o Técnico em Regulamentação de Profissões Ainda Não-regulamentadas. E, naturalmente, o Conarepan. Sem mencionar os Corerepan – os conselhos regionais. Com novas diretorias, taxas, eleições. Veio também o Técnico em Criação de Novos Conselhos Nacionais, com seus novos... A CUT deu lugar a CMT – Central Múltipla dos Trabalhadores. Nada mais foi único.

O Dia da Desregulamentação, como ficou conhecido, para a História, decorreu de uma nova tentativa de regulamentação de uma profissão que nunca fora uma profissão em si, antes uma qualidade de alguns profissionais. Durante o processo de regulamentação da profissão de Crítico de Arte em Potes de Barro da Tribo Marrecaxó, identificou-se a necessidade de um novo tipo de técnico. A profissão deste, ninguém conseguiu regulamentar. Não houve consenso, de jeito nenhum. Seria a de Técnico em Bom Gosto.

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