24.1.07

Os Descartáveis

Os Descartáveis

Por Paulo Heuser


Já se vai longe o tempo em que valia a pena mandar consertar algum eletroeletrônico. Havia sujeitos que, de alguma forma, conseguiam entender o funcionamento daquelas coisas cheias de fios e pecinhas coloridas, sabendo o que trocar. Eram os técnicos. A tecnologia de montagem de dispositivos diretamente sobre a superfície das placas de circuitos, através de máquinas de solda, começou a aposentar os técnicos. Não há como identificar nem trocar os componentes defeituosos, integrados que estão nas placas. Troca-se toda a placa, portanto. O que às vezes custa mais do que comprar outro aparelho. A transformação dos aparelhos em descartáveis iniciou no primeiro mundo, propagando-se para os demais. Obra da miniaturização e da automação dos processos de produção.

Agora fabricam outras coisas descartáveis. E pensam em aposentar os mecânicos de automóveis. Tive um problema no carro, diagnosticado como quebra da tampa do tanque de combustível, fabricada em fibra de vidro. Não entro no mérito de fabricar uma peça tão importante em material pouco perene, como a fibra de vidro. Entro no mérito do que vem depois. Quando o mecânico diz: “só tem um problema”, já sei que se trata de um grande problema econômico. E foi. Pois a famiglia que projetou aquela maravilha da indústria automobilística, criou um conjunto de peças, vendidas apenas em conjunto. Trincada a tampa, faz-se necessária a substituição também da bomba de combustível. O que eleva o estrago para além de oitocentos reais. Devido à quebra da maldita tampinha feita em fibra de vidro. Por que quebrou? Pela ação do combustível sobre o material. Disse-me o mecânico que, nos novos modelos, a coisa mudou. Para melhor? Agora o filtro de combustível também faz parte do conjunto. Maravilha, não é? Quando trocar o filtro, troque também a bomba de combustível. Ah, eu ia me esquecendo da tampa. Na terra da famiglia, a troca se faz necessária a cada 100 mil quilômetros rodados. Com o combustível deles. Aqui? O tempo dirá. Já imagino o diálogo:

- Alô, já tem o orçamento do conserto do meu carro?

- Sim, senhor. Será necessário trocar a válvula do pneu traseiro esquerdo.

- Certo, pode trocar.

- Mas, o senhor não quer ver primeiro o orçamento?

- Tudo bem, deve ser mixaria, em quanto ficou?

- Bem, há um pequeno problema...

- O quê?

- É que vendem apenas o conjunto...

- As válvulas dos quatro pneus?

- Dos cinco, na verdade, há o sobressalente. Mas há mais um probleminha, o conjunto é um pouco maior...

- Só falta me dizer que terei de comprar também o pneu!

- Os cinco, na verdade, além do resto do conjunto, rodas, cubos, freios, amortecedores, molas e o agregado...

- Mas aí estarei trocando o carro todo!

- Só um terço, na verdade, há mais dois conjuntos: a carroceria e o motor/caixa de câmbio.

- Em quanto fica isso?

- O conjunto custa R$ 21.845,97. Pode pagá-lo em três vezes pelo cartão. Ou, dez reais.

- Como? Dez reais?

- É, comprando a válvula no borracheiro. Mas, aí, sabe como é, não há garantia...

Começo a entender o que leva as pessoas a apelar para os desmanches.

E-mail: prheuser@gmail.com