13.2.07

A Revolta dos Otários

A Revolta dos Otários

Por Paulo Heuser

Uma das vantagens de envelhecer é poder mergulhar num balaião de DVDs de nove e noventa e achar algo interessante. Como um show de Glen Campbell em Londres. Sei, vamos devagar. Quem diabos será Glen Campbell? É um sujeito que nasceu em 1936 e ainda não morreu. Ainda não foi, portanto. Um americano que se imortalizou cantando música americana. Entre poucas coisas, de gosto meio duvidoso, interpretou muitas músicas fantásticas, compostas por Jimmy Webb, gênio que escreveu coisas como Wichita Lineman e By The Time I Got To Phoenix. O disco é uma salada impressionante. Há até uma versão para guitarra e orquestra da abertura Guilherme Tell, de Rossini. Campbell esteve no seu auge nas décadas de 1960 e 1970, apesar de cantar até hoje. Wichita Lineman esteve no topo da parada de sucessos durante 15 semanas seguidas. Chegou a ser a terceira, num mercado muito concorrido. Músicas gravadas no tempo em que George W. entrava em Yale, empurrado pelo George H. W., devido às notas medíocres no seu histórico escolar. Naquele tempo George W. explodia apenas buscapés, nas festas da fraternidade Delta Kappa Epsilon.
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Ao colocar o DVD para tocar, fiquei com saudades de um tempo em que era possível se sair à rua, inclusive à noite. Do tempo em que ainda não éramos divididos em otários e os outros. Não tanto, pelo menos. Éramos otários light. Os outros são aqueles que estão em presídios, ou deveriam estar e não estão, por serem inimputáveis, foragidos, nunca identificados ou estranhamente anistiados. Hoje o Joãozinho descobre que a Vó Joana foi a Jô Metralha, em outros tempos, quando assaltava bancos em nome da democracia. Democraticamente, foi anistiada, quando trocou a metralhadora pelas urnas. Os outros mais outros comandam os outros menos outros. Do presídio ou fora dele. Os otários pagam a conta. Com o bolso e a vida. A célebre frase ganhou nova versão: “A bolsa e a vida!”. Ou, apenas a última.

Os conceitos de fora e dentro se confundem. As expressões: “Estar atrás das grades” e “Ver o sol nascer quadrado” ganharam novo significado: “estar em casa”. Pois a casa está gradeada, murada e eletrificada. Ainda voltarão os fossos com crocodilos, proibidos pelo Ibama. Fauna exótica não pode. Jacaré também não, é protegido. Pinte o guarda de verde e jogue no fosso. Dá no mesmo. Livres estão os outros, que podem circular livremente, temendo apenas os seus iguais, mais iguais, no caso. Os outros, quando chegam ao presídio, estão de passagem, apenas de passagem, pelas progressões das penas. Ou estão esperando vagas. Não cabe mais ninguém lá dentro. Lembram uma bomba d’água que bombeia a água da inundação de volta para o rio que provoca a inundação. Há fila até para ser preso! Alguns outros já seguem uma rotina. Cometem atos criminosos pela manhã, são presos à tarde e soltos novamente à tardinha. Com sorte, podem até aprontar alguma à noite. Hora extra, pois se assalta à luz do dia. Falta regulamentar a profissão, estabelecendo piso criminal, armamento mínimo, ética criminal e assessoria jurídica. Bem, esta já está aí. O crime organizado já a garante. Aposentadoria é algo desnecessário. Os outros sem gravata não chegam à idade. Morrem antes, em serviço. Os outros engravatados fazem pé-de-meia bastante e suficiente. Garantem-se, aqui ou na Suíça.

De quando em quando, algum outro exagera, cometendo crime julgado hediondo até pelos outros. Não aquele hediondo institucional - suave e perdoável. É o hediondo que leva os outros a serem punidos pelos próprios outros. Naquela sociedade há ética forte. Farão a sua própria justiça, no seu tempo. Sem perdão. E assim a carroça anda, perdendo as melancias pelo caminho. Até quando, não sei. Talvez um dia ocorra a Revolta dos Otários.

E-mail: prheuser@gmail.com