28.2.07

A Bolsa da China

A Bolsa da China

Por Paulo Heuser

Josué chegou em casa, finalmente, após mais um dia de trabalho. Um dia como todos os outros, já que não freqüentava mais a igreja, aos domingos. Não porque se tornara um ateu. Era falta de tempo mesmo. A lavoura e os animais o mantinham ocupado, principalmente após Maria tê-lo deixado. Ela conhecera a cidade e se apaixonara, pela cidade e pelo Maurão, motorista do ônibus. Mudaria-se de malas e bagagens, se as tivesse. Levou o vestido e o pente, herdados da mãe. E a vontade de viver, herdada de si mesma. Embrulhou tudo no único lençol e foi, deixando Josué a ver navios, no único quadro da casa. Apesar de carcomido e da moldura alquebrada, ele ainda permitia ver o navio. E o mar, com o qual Josué só podia sonhar, já que nunca deixara aquele grotão.

Pelo menos Maria deixou o único tesouro da casa, o rádio velho, que haviam trocado por um porco novo. Josué economizava para comprar as pilhas, já que luz não havia. Pelo menos chovia, de quando em quando. Este verão não estava tão seco. Hora de tratar os animais. Houve anos em que quase morreram de fome. Nada vingava. Tudo morria no chão seco. Os animais perdiam peso, até perder também as forças.

Josué não conseguia ficar com raiva da Maria. Ninguém merecia aquela vida sofrida. O sol já se fora há muito, e ele continuava trabalhando. Apenas para sobreviver até o dia seguinte. Só havia o dia seguinte. Sonhos e esperança não cabiam naquela vida. Chegada a hora do descanso, Josué sentou na entrada da casa e constatou que sentia falta da Maria, fisicamente falando. Fora a única mulher na vida dele. Resolveu ouvir um pouco do rádio, para se distrair. Um pouco, apenas, para não gastar as pilhas. Perderia mais uma galinha, trocando pelas pilhas.

Após o clic, o ar ao redor do velho rádio encheu-se de ruídos de estática e assovios estridentes. Entre a zorra de chiados, ouviu-se uma voz, finalmente, que ia e vinha. Afinando a sintonia, Josué recostou-se e fechou os olhos, concentrado, para não perder nem palavras nem chiados. Era tudo muito precioso. O homem falou, claramente:

- Caiu a bolsa da China!

Era isso mesmo que o Josué queria ouvir. Sem Maria, precisaria arrumar uma china. E esta, sem a bolsa, provavelmente aceitaria uma galinha, em pagamento.


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