Crise e Oportunidade
Crise e Oportunidade
Por Paulo Heuser
Não sai das manchetes o chato assunto do Apagão Aéreo, maiúsculo devido ao importante estrago causado, econômico, social e institucional. Passados meses dos cadáveres espalhados e do imenso drama vivido pelos que ainda ousam viajar de avião, seja por destemor, seja por obrigação, há de se encontrar novas manchetes. É verdade que a crise criou novas oportunidades de emprego, como no caso dos estatísticos. Qual é o jornal que sobrevive hoje sem um estatístico, para avaliação da situação do caos aéreo? As chamadas de capa devem trazer números da crise: “Aeroportos apresentam 5,47% de atraso nos vôos”. A estatística passou a fazer parte da coisa. Ontem assisti, pela tv, à cena que mostrava uma mulher emocionada, eufórica, porque seu vôo estava apenas 1h47 atrasado. Afortunada, agradecia aos céus, aos controladores e ao Presidente, pelo privilégio de voar no mesmo dia do embarque. Estaria incluída nos 5,47%?
Falando em controladores e presidentes, a conversa engrenou um clima de comovente cordialidade. Após o perdido de perdão dos amotinados, vem o agradecimento do Presidente, por terem feito o seu trabalho. As companhias aéreas, ora vilãs, ora vítimas, ora uma estranha combinação das duas condições, perdem excelentes oportunidades de inovação em seus produtos. Nesta era de extrema massificação globalizada, os clientes estão extremamente carentes de personalização. Imploram para que a máquina de atendimento diga seu nome. Que a conta de telefone comece com um “Caro e amado Fulano”. Há coisa mais impessoal do que a compra de um bilhete de passagem? Quando ainda há bilhete, fisicamente falando. O sujeito senta na frente do computador e faz todo o trabalho de venda da companhia aérea, do atendimento inicial à fatura. Se já havia o medo de voar, agora há os medos de não voar e de voar aleatoriamente.
Cobrem o dobro, companhias aéreas, criem produtos diferenciados e personalizados. Dêem-lhes nomes bonitos, como Deslizando na Carruagem Alada. Coloquem atraentes atendentes reais, pessoas de carne e osso, para vender os bilhetes, de papel mesmo. Aqueles livrinhos com uma página para cada trecho do vôo, com papel carbono vermelho e misteriosas inscrições. Colem papeizinhos adesivos quando das alterações de trechos. Sirvam comida a bordo. Comida mesmo - aquela coisa que se come com garfo e faca, mesmo que de plástico. Para os muito afortunados, criem a classe G – Flying Gods – Deuses Voadores - autêntico ponto G do ego dos viajantes bacanas, com direito a Personal Flight Controller – Controlador de Vôo Pessoal. Esse público já está acostumado a ter personal trainers, personal driver, personal diet planners, personal dancers, personal lovers, personal bankers e personal persons.
Um Personal Flight – Vôo Pessoal – começa pela consulta, feita por um especialista, na casa do cliente. O Personal Flight Advisor – Consultor Pessoal de Vôo – entrevista os clientes de primeira viagem pessoal. Ouve seus anseios, gostos, medos e fetiches. De uma boa entrevista pré-vôo poderá depender um vôo bem ao gosto do freguês. Os fetiches se fazem importantes, apesar de não parecer. Não raro, surgem clientes que desejam ser atendidos por um, ou uma, Personal Flight Attendant – Comissário(a) de Vôo Pessoal -, vestido(a) de rainha má ou carrasco da Bastilha. Segue-se um Personal Flight Plan – Plano de Vôo Pessoal – que é apresentado ao cliente para eventuais ajustes, como a troca do machado do carrasco por uma foice, por exemplo. Pequenos detalhes que definem o sucesso do produto. Aprovado o plano, cardápio inclusive, vamos ao coquetel de confraternização, onde o cliente conhecerá os seus companheiros de fileira, escolhidos através das avaliações psicológicas, obtidas na entrevista inicial. Ao soar dos clarins, entra a tripulação, apresentada através da leitura de currículos. Na apoteose da coisa, entra o Controlador de Vôo Pessoal, que dançará a Valsa do Imperador com o seu cliente. Do mezanino, os menos afortunados poderão assistir à cerimônia, através de binóculos de ópera.
Dia do embarque. Nada de estresse. O Personal Driver leva o Personal Client ao aeroporto. O Personal Ground Attendant – Atendente Pessoal de Solo – levará o cliente para o Spa de preparo, enquanto providencia o Personal Check-in – Embarque Pessoal. Enquanto o cliente relaxa com uma massagem, ou terapia com florais de Mozart, o Personal Customs Agent – Chato Aduaneiro Pessoal – fará os enfadonhos procedimentos aduaneiros de embarque. Quando dos já inevitáveis atrasos, Personal Escorts – Acompanhantes Pessoais – acompanharão o cliente às sessões de cinema ou música de câmara.
O mais importante mesmo é a segurança proporcionada pelo Personal Flight Controller, cuja voz o cliente poderá ouvir durante o vôo, pelo canal sete do som.
Para vôos com destino, origem, ou conexão em Buenos Aires, será garantido um Personal Luggage Violator – Arrombador Pessoal de Bagagem, que saberá furtar apenas aqueles itens pré-acordados com o cliente. Tudo muito personal.
E-mail: prheuser@gmail.com
Marcadores: Apagão Aéreo, controladores de vôo
0 Comments:
Postar um comentário
<< Home