7.4.07

O Jardim Secreto



O Jardim Secreto

Por Paulo Heuser

Cada vez mais vemos o mundo através dos olhos dos outros. Ele nos é trazido já corrigido, fotoshopiado, pasteurizado e convenientemente cômodo, podendo ser contemplado a partir do sofá. Sem sujeira, sem pernilongos. Talvez por isso fico tão espantado, aqui sentado, em meio a este jardim.

Sentei-me aqui para ler alguma coisa. Os movimentos me distraíram, chamando-me à atenção. O primeiro a quebrar minha concentração no texto foi o beija-flor amarelo, vindo beber água num pequeno bebedouro florido dependurado à minha frente. Seguiu-se um preto, de cauda branca. À esquerda, novos movimentos, as borboletas – estamos no outono? – revoam ao vento e ao sol do início da manhã. Sol filtrado pelo bandô natural do jabuticazeiro. Do gramado, ainda úmido, vem o cheiro de coisa verde. A hera ao fundo, junto ao muro, delimita a seqüência de planos e tons de verde que desce o terreno, como cascata, quebrada pelas flores, aqui e ali – estamos mesmo no outono?

O sabiá de peito laranja acaba de enxotar os sabiás que vieram atrás das migalhas de pão. Ele veio atrás dos pedaços de mamão. Agora são três. Terá vindo toda a família? Ariscos, pulam para lá e para cá, num vaivém especulativo. Estão me testando. Procuro não me mover muito. Numa das idas à árvore, um passarinho pequeno, de peito amarelo, mostrou que tamanho não é documento. Ousou invadir o território dos sabiás e mergulhou no mamão. Estes voltam, afrontados e humilhados.
Esta combinação de cor, vida e cheiros é completamente improvável, no centro da cidade. Dela só tomo conhecimento através da cacofonia urbana. Os sons que vêm de trás não têm nada a ver com o cenário que se descortina à frente. A agitação aumenta à medida que o sol sobe, neste mundo isolado, onde sou apenas um penetra passageiro. O chilrear não consegue se sobrepor ao ruído do trânsito trás-muros.

Sabiás satisfeitos, entram pardais e pombas do mato. Parecem saber repartir o banquete. O cão, semi-adormecido ao sol, observa tudo com apenas um olho. Preguiçoso, deixa o rabo cair, deitado de lado, suspirando. Parece já ter aprendido que perseguir pássaros é uma atividade idiota, sem resultados mastigáveis.

Um imbecil buzina na rua, quebrando mais uma vez a magia deste jardim secreto perdido em meio ao concreto. O sol segue seu curso. E eu seguirei o meu.



E-mail: prheuser@gmail.com

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1 Comments:

At sexta-feira, 13 abril, 2007, Blogger José Elesbán said...

Copiei esta foto do beija-flor nas Voltas em Torno do Umbigo, com link para cá!

 

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