23.3.07

Das Fragatas e Atobás



Das Fragatas e Atobás

Por Paulo Heuser

Quem já visitou alguma ilha na nossa costa, deve ter visto fragatas e atobás. Na Ilha das Galés, Reserva do Arvoredo, em Santa Catarina, encontra-se um bom exemplo de ilha habitada por essas aves. A ilha foi assim batizada devido à presença de duas ilhotas menores, a seu lado, que lembram a silhueta de duas galés. Uma das ilhotas abriga uma colônia de fragatas, enquanto a outra é habitada por atobás. Os primeiros não vivem sem os últimos, por uma razão muito simples: as fragatas não pescam, dependendo dos atobás para obter seu alimento.

Nessas ilhas, assiste-se diariamente ao cruel espetáculo que faz parte do drama chamado vida. Os atobás saem à cata de peixes para a sua alimentação e a dos seus filhotes. Logo que encontram algo, são perseguidos implacavelmente pelas fragatas, aves maiores e mais poderosas. Para livrar-se do assédio, o atobá é obrigado a largar o peixe, que é pego em pleno ar, pela astuta fragata. Os atobás que tentam fugir são agredidos a bicadas por uma ou mais fragatas. O ritual de pesca e ataque repete-se até que as fragatas se considerem satisfeitas. Elas confiscam aproximadamente 40% do que os atobás pescam. Numa das ilhotas, filhotes de atobás esperam pelo alimento que poderá não chegar, levado pelas famintas fragatas. É difícil não considerar injusta aquela estranha associação alimentar. Comensalismo é uma associação onde apenas uma das espécies se beneficia, sem prejudicar a outra, no entanto. Não sei se o conceito se aplica às aves, pois parece evidente, e mensurável, o prejuízo sofrido pelos atobás.

Temos uma tendência de achar que tudo é bonitinho na natureza, sob uma visão ética humana utópica. O ursinho acaba se transformando num terrível animal que mata um homem com apenas uma patada. Os leõezinhos de pelúcia em nada lembram aqueles predadores que caçam inocentes veados e zebras, seres que comem capim e folhas. Com os homens não é diferente. Quem hoje engatinha, dizendo gugu-dadá, amanhã poderá estar empunhando uma arma, confiscando o alimento de outrem, menos poderoso. Assim, sob nossa visão ética, aquela relação parece definitivamente injusta e condenável. Na Natureza, prevalece a lei do mais forte, e a fragata é o mais forte. Nada bonito, apenas natural.

Fico a imaginar que os atobás poderiam organizar-se numa espécie de sindicato, fazendo a primeira greve de fome da ilha. Acostumadas com a comida fácil, as fragatas se veriam em maus lençóis, pela completa inaptidão em garantir seu sustento com o trabalho digno da pesca. Os peixes iriam aplaudir, com certeza.

Os pobres atobás deverão trabalhar mais. Chegam notícias da Ilha do Congresso, dando conta que a fome das fragatas aumentará, pelo menos 26,5%.


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