8.3.07

A Volta de Shuma-Gorath

A Volta de Shuma-Gorath

Por Paulo Heuser

Os toaletes da universidade sempre foram um capítulo à parte. Foram os murais onde os estudantes expunham idéias, anseios, pensamento político e paixões. As portas dos sanitários eram um dos poucos locais seguros para alguém expor as idéias, em tempos de repressão. As câmeras ainda não estavam tão desenvolvidas. O único risco era de que um agente infiltrado do DOPS – Departamento de Ordem Política e Social - o visse saindo de lá. Pela porta do sanitário era possível identificar o curso ministrado naquele prédio. As inscrições mudavam conforme a ciência ministrada no local. Havia portas políticas, filosóficas, sociais, técnicas, anatômicas, etc. Algo como “mostre-me a porta do teu banheiro e te direi o que estudas”. Os amores platônicos estavam em todas, sem exceção. Através dessas portas descobriu-se que os engenheiros também amam. Infelizmente, nunca foi possível realizar uma bienal universitária sanitária. Apesar da pichação, havia arte ali.

A pichação dos banheiros deixou de ser arte quando começaram a soprar os ventos da democracia. Ou da demagogia, seja como for. O fato é que virou pichação pura. Nada mais justifica a inscrição de frases ou desenhos nos toaletes da universidade. Nem uma grande paixão. Os banheiros foram reformados e pintados de branco.

Talvez foi o contraste da frase pintada em preto, com a parede branca, o que me chamou tanto à atenção. Dizia simplesmente: “Shuma-Gorath vai voltar!”. Quem diabos seria Shuma-Gorath? Algum teorema? Um professor visitante (da Hungria) de Cálculo? Um prato exótico do RU? Perguntei a todos, ninguém sabia. Lembrei-me do Keyser Söze, misterioso personagem de Os Suspeitos (1995), de Bryan Singer. Ambos apresentavam algo em comum: temidos, mas nunca vistos. Aquilo não soava mais como pichação, apesar de ser. Soava como uma ameaça. Shuma-Gorath soava ameaçadoramente. Por via das dúvidas, passei a evitar aquele toalete. Noite, tudo meio deserto, melhor não arriscar.

Um a um, os toaletes passaram a exibir a mesma misteriosa inscrição, com a mesma letra: “Shuma-Gorath vai voltar!”. No fim das contas não houve alternativa. Todos os toaletes estavam pichados com a mesma frase. Google, o Oráculo do Século XXI, acabou revelando quem (ou o quê) é Shuma-Gorath. Trata-se de uma coisa verde, com ares de salgueiro-chorão (Salix babylonica) de galhos grossos e com um enorme olho vermelho no meio do caule. Um monstro da Marvel, também conhecido como Chtuma-Gurath ou Senhor do Caos – talvez em alusão à crônica falta de papel -, que seria omnipotente (?!) na sua dimensão de origem. Aí tudo ficou claro, ele estava em outra dimensão! Sem saber o que é pior, Shuma-Gorath ou Chtuma-Gurath, fiquei imaginando no que levaria alguém a escrever aquilo no toalete. E aliviado, por ele estar em outra dimensão, não nos toaletes.

Deixei de freqüentá-los, de vez, quando alguém trocou a inscrição por: “Shuma-Gorath voltou!”.

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