A Volta de Shuma-Gorath
A Volta de Shuma-Gorath
Por Paulo Heuser
Os toaletes da universidade sempre foram um capítulo à parte. Foram os murais onde os estudantes expunham idéias, anseios, pensamento político e paixões. As portas dos sanitários eram um dos poucos locais seguros para alguém expor as idéias, em tempos de repressão. As câmeras ainda não estavam tão desenvolvidas. O único risco era de que um agente infiltrado do DOPS – Departamento de Ordem Política e Social - o visse saindo de lá. Pela porta do sanitário era possível identificar o curso ministrado naquele prédio. As inscrições mudavam conforme a ciência ministrada no local. Havia portas políticas, filosóficas, sociais, técnicas, anatômicas, etc. Algo como “mostre-me a porta do teu banheiro e te direi o que estudas”. Os amores platônicos estavam em todas, sem exceção. Através dessas portas descobriu-se que os engenheiros também amam. Infelizmente, nunca foi possível realizar uma bienal universitária sanitária. Apesar da pichação, havia arte ali.
Por Paulo Heuser
Os toaletes da universidade sempre foram um capítulo à parte. Foram os murais onde os estudantes expunham idéias, anseios, pensamento político e paixões. As portas dos sanitários eram um dos poucos locais seguros para alguém expor as idéias, em tempos de repressão. As câmeras ainda não estavam tão desenvolvidas. O único risco era de que um agente infiltrado do DOPS – Departamento de Ordem Política e Social - o visse saindo de lá. Pela porta do sanitário era possível identificar o curso ministrado naquele prédio. As inscrições mudavam conforme a ciência ministrada no local. Havia portas políticas, filosóficas, sociais, técnicas, anatômicas, etc. Algo como “mostre-me a porta do teu banheiro e te direi o que estudas”. Os amores platônicos estavam em todas, sem exceção. Através dessas portas descobriu-se que os engenheiros também amam. Infelizmente, nunca foi possível realizar uma bienal universitária sanitária. Apesar da pichação, havia arte ali.
A pichação dos banheiros deixou de ser arte quando começaram a soprar os ventos da democracia. Ou da demagogia, seja como for. O fato é que virou pichação pura. Nada mais justifica a inscrição de frases ou desenhos nos toaletes da universidade. Nem uma grande paixão. Os banheiros foram reformados e pintados de branco.
Talvez foi o contraste da frase pintada em preto, com a parede branca, o que me chamou tanto à atenção. Dizia simplesmente: “Shuma-Gorath vai voltar!”. Quem diabos seria Shuma-Gorath? Algum teorema? Um professor visitante (da Hungria) de Cálculo? Um prato exótico do RU? Perguntei a todos, ninguém sabia. Lembrei-me do Keyser Söze, misterioso personagem de Os Suspeitos (1995), de Bryan Singer. Ambos apresentavam algo em comum: temidos, mas nunca vistos. Aquilo não soava mais como pichação, apesar de ser. Soava como uma ameaça. Shuma-Gorath soava ameaçadoramente. Por via das dúvidas, passei a evitar aquele toalete. Noite, tudo meio deserto, melhor não arriscar.
Um a um, os toaletes passaram a exibir a mesma misteriosa inscrição, com a mesma letra: “Shuma-Gorath vai voltar!”. No fim das contas não houve alternativa. Todos os toaletes estavam pichados com a mesma frase. Google, o Oráculo do Século XXI, acabou revelando quem (ou o quê) é Shuma-Gorath. Trata-se de uma coisa verde, com ares de salgueiro-chorão (Salix babylonica) de galhos grossos e com um enorme olho vermelho no meio do caule. Um monstro da Marvel, também conhecido como Chtuma-Gurath ou Senhor do Caos – talvez em alusão à crônica falta de papel -, que seria omnipotente (?!) na sua dimensão de origem. Aí tudo ficou claro, ele estava em outra dimensão! Sem saber o que é pior, Shuma-Gorath ou Chtuma-Gurath, fiquei imaginando no que levaria alguém a escrever aquilo no toalete. E aliviado, por ele estar em outra dimensão, não nos toaletes.
Deixei de freqüentá-los, de vez, quando alguém trocou a inscrição por: “Shuma-Gorath voltou!”.
E-mail: prheuser@gmail.com
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