20.3.07

Estranhos Algoritmos

Estranhos Algoritmos

Por Paulo Heuser

Quem vê aquele sujeito maltrapilho que perambula pelas ruas do bairro Moinhos de Vento, catando baganas de cigarros, não acredita que ele já foi um promissor estudante de Matemática. Passa despercebido pelo pessoal do happy hour, dos elegantes cafés da Padre Chagas, murmurando frases aparentemente desconexas, fruto do delírio de uma mente irremediavelmente danificada. Algo sobre dendritos e axônios já não cumprirem propriamente suas funções diferenciadas. Em outros tempos, os neurônios do Cibernécio realizavam virtuosas sinapses que o levaram a tornar-se bolsista laureado na pesquisa de sistemas caóticos. Hoje, caótico é o seu raciocínio, limitando-se à procura de baganas, quanto maiores, melhores.

Desde pequeno, Cibernécio mostrou uma grande queda pela Matemática, que o levou a sofrer grandes quedas de bicicleta, pois fechava os olhos enquanto encontrava soluções para as equações diferenciais que regiam o caos do tráfego ao seu redor. Na tentativa de reduzir as idas ao traumatologista e à oficina de bicicletas, seus pais deram-lhe o primeiro computador. Foi perfeito o casamento do menino prodígio com a máquina. Cibernécio passou a explorar programas como Maple a Mathematica, deixando de cair da bicicleta. Passou a cair da cadeira, de sono, enquanto avançava noites adentro, explorando o inominável mundo novo dos sistemas não-lineares. Foi numa dessas noitadas que o mundo mudou, na concepção dele. Não caiu da cadeira. Não de sono, pelo menos.

Alguma coisa levou Cibernécio a vasculhar a caixa de spam – mensagens indesejadas – do correio eletrônico. Havia muito de tudo, ali. Propostas de venda de coisas estranhas, como remédios para aumentar o desempenho sexual. O que seria desempenho sexual? Havia centenas de outras tentando pescar senhas (pishing) bancárias. Já estava pressionando o botão de limpeza das mensagens spam, quando o título de uma lhe chamou à atenção. Fora enviada por alguém que assumira o improvável e inverossímil apelido de Eggmalthina Chaotica. Ele abriu a mensagem e passou a lê-la. Seu coração disparou, enquanto avançava entre aquelas palavras aparentemente sem sentido. O texto aparentava não fazer sentido algum, para um leitor ordinário. Para o peculiar e diferenciado cérebro de Cibernécio, no entanto, aquelas séries de palavras soavam como uma sinfonia única de virtuosismo matemático espantoso. Quando terminou de ler a mensagem, ele constatou, num misto de surpresa e extrema excitação, que ali estava, perdida entre todo aquele lixo, parte da solução para o maior enigma dos tempos modernos. Faltavam partes, no entanto.

Cibernécio tentou achar uma solução geral para o enigma. Passou dias a fio trabalhando na solução. Não conseguia, no entanto, encontrar algumas condições de contorno do complexo enigma. Procurou por outras mensagens que pudessem conter novos pedaços da solução. Entre 763 mensagens na caixa de spam, aquela era a única recebida de Eggmalthina Chaotica. Tropeçou em outra, enviada por uma tal de Conthornya Laplacyana. Ali estava, em plena caixa de spam, outra parte da solução do enigma primordial dos séculos que seguiram o XIX. A pergunta que não queria calar nem falar. Outra mensagem sem sentido aparente, a não ser quando lida por uma mente condicionada e educada, que sabia exatamente o que procurava. Além de pouquíssimos matemáticos, muito avançados, provavelmente apenas os autistas conseguiriam perceber a mensagem ali contida. Palavras e números jogados aleatoriamente, à primeira vista, numa sutil ordem que fazia a mente de Cibernécio funcionar furiosamente. Três meses depois da primeira, ele recebeu a mensagem que continha as condições iniciais perdidas, difundida por Valorya Inithialya. Fitou a mensagem, chave para a solução de algo que poderia mudar a história da humanidade para sempre. Não leu a mensagem do início ao fim. Leu o conjunto todo, com a visão periférica. Paralelamente, em segundo plano, sua privilegiada mente montou todo o problema, finalmente. Deve ter sido a visão da solução de um dos maiores enigmas da era pós-moderna o que danificou irremediavelmente os axônios e dendritos do Cibernécio, que passaram a funcionar de tal forma que apenas a caça às baganas lhe interessa.

Cibernécio conseguiu descobrir como funciona o tabulador do editor de textos.

E-mail: prheuser@gmail.com

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