A Invasão dos Ovos Assassinos
A Invasão dos Ovos Assassinos
Por Paulo Heuser
Quase tudo é sazonal na vida, menos a própria. Chega a época de temer que o céu me caia sobre a cabeça, temor compartilhado com os gauleses da irredutível aldeia imortalizada por Goscinny e Uderzo. Nesta época, deixo de freqüentar o supermercado, retornando apenas após a Páscoa. Temo os ovos. Não os de galinha, comportados e imutáveis, a não ser na cor e no tamanho. Temo os ovos de mamíferos. Se a própria existência deles não é uma ameaça ao conhecer científico, a posição em que são postos é a verdadeira ameaça, física, no caso.
Por Paulo Heuser
Quase tudo é sazonal na vida, menos a própria. Chega a época de temer que o céu me caia sobre a cabeça, temor compartilhado com os gauleses da irredutível aldeia imortalizada por Goscinny e Uderzo. Nesta época, deixo de freqüentar o supermercado, retornando apenas após a Páscoa. Temo os ovos. Não os de galinha, comportados e imutáveis, a não ser na cor e no tamanho. Temo os ovos de mamíferos. Se a própria existência deles não é uma ameaça ao conhecer científico, a posição em que são postos é a verdadeira ameaça, física, no caso.
O supermercado utilizou livros ingleses, do século XI, para determinar a altura em que deveriam dependurar os ovos de Páscoa. Utilizaram um paper do Yorkshire Dog’s College, intitulado Eastern Eggs – A Study of Human Growth. Através daquele paper, determinou-se que os ovos de Páscoa deveriam ser dependurados no teto, a 1,80m de altura, levando em conta que os homens apresentavam altura média de 1,71m, quando despido o elmo, considerados apenas os homens cujas mulheres eram fiéis no casamento, evidentemente. Desde lá, algo mudou, inclusive a altura de alguns homens e mulheres, que facilmente ultrapassa a clássica medida britânica. Chego a entender a razão que os levou a colocá-los (os ovos) tão baixo. Os cabides de ovos são prateleiras aéreas, na verdade. Aquelas belas e simpáticas coelhinhas demonstradoras não teriam como alcançá-los, se colocados numa altura segura para os pobres infelizes que se situam nas curvas superiores do percentil de crescimento, como eu.
Devo caminhar curvado, se resolver atravessar aqueles corredores dos enlatados, bolachas, grãos e outros alimentos. Só estou seguro mesmo, quando ando pelos corredores dos artigos de limpeza, sem ovos de mamíferos, os que não gosto mesmo de percorrer. Por que não penduram os ovos lá? Comprar água sanitária não dá prazer a ninguém normal. O problema não é apenas o desconforto físico. Há o desconforto psicológico, também, vulgarmente conhecido como mico. – Mãe, olha lá o gigante no meio dos ovos! Há quem prefira sair de lá com eventuais galos na testa, mas com o orgulho intacto. Conheço um ex-jogador de basquete que não se abala, abala os ovos. Ereto, atravessa a barreira de ovos, após um impulso inicial. As aterrorizadas promotoras de vendas assistem àquela terrível destruição sistemática dos ovos de mamíferos. Quando ele desponta na extremidade do corredor, descabelado e com a testa vermelha, resta um longo vale invertido de ovos de mamíferos quebrados, insumos para a liquidação da segunda-feira pós-Páscoa.
Hoje desafiei o perigo e fui àquele supermercado. Fui buscar carne, passando longe dos ovos, após fazer um grande desvio pelo setor da água sanitária. O preço da carne, em si, já é uma grande ameaça. Lá em casa já nos adaptamos, substituindo as carnes clássicas por outras mais em conta. Alcatra, picanha e maminha deram lugar à lagosta e ao haddock, bem mais baratos. Dão um carreteiro bem legal. Apenas pensei estar seguro no açougue. Uma placa metálica despencou sobre as minhas costas, deixando um vergão vermelho. Será coisa do coelhinho?
A propósito, que raios de mamíferos são esses, que põem ovos?
E-mail: prheuser@gmail.com
Marcadores: coelho, ovos de Páscoa, supermercado
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