28.5.07

Bárbaros Bávaros


Bárbaros Bávaros


Por Paulo Heuser


O primeiro sinal de que ingressamos na Baviera veio pela língua. O tradicional cumprimento Guten Tag (Bom dia) deu lugar ao Grüss Gott (Deus o saúde). Outros sinais vieram pelo fim da planura e pelo povo mais alegre, menos sisudo. O dialeto bávaro é completamente incompreensível para os estrangeiros e, desconfio eu, para os próprios alemães. Contudo, quando notam que não estão falando com outro bávaro, trocam o dialeto pelo alemão compreensível.

É claro que os bávaros não andam de bermudas e chapéus verdes pela rua. Os primeiros que vimos nesses trajes estavam na Áustria, em Innsbruck, onde paramos num centro de informações sobre hotéis, na entrada da cidade. Lá parou também um ônibus, com placas da Alemanha, recheado com bávaros em trajes típicos. Na verdade, o ônibus continha aproximadamente 40 bávaros e 4000 cervejas, consumidas desde muito, pelo estado de embriaguez dos alegres passageiros, que certamente retornavam de algum evento folclórico. Cantavam alegremente, escorados uns nos outros, cânticos cujos estribilhos continham "Hô-hô-hô", ou algo parecido. O pequeno toalete não deu conta da demanda. Os alegres cantantes passaram a utilizar as árvores das redondezas para aliviar o excesso de líquidos. Não importunaram ninguém, na verdade. Assustavam um pouco, apenas. Aliviados, os bávaros retornaram ao ônibus, carregando caixas de cervejas retiradas do bagageiro, e seguiram viagem, cantando seus Hô-hô-hôs.

No dia seguinte, partimos em direção a Hochschwangau, na Alemanha (Baviera), através de uma estrada secundária que entra na Alemanha e sai da Áustria, ou vice-versa, a cada curva. De tanto cruzar fronteiras, acabei tomando o caminho errado, em alguma encruzilhada. Ao ver um alemão (ou seria um austríaco?) parado ao lado da estrada, lhe perguntei sobre a estrada que levaria ao nosso destino, sem esquecer o melhor Grüss Gott que consegui pronunciar. O homem ficou vermelho e começou a falar: - Fa... fa... fa... fa... falsch! (E... e... e... e... errado!). O único sujeito parado naquela estrada era gago! Tentei agradecer e arrancar com o carro, mas o homem resolver ser solícito e explicar, em ricos detalhes, como pegar a estrada correta. Ouvir um gago dizer Garmisch-Partenkirchen e Hochschwangau é coisa para ninguém esquecer. Tive medo de ter um acesso de riso involuntário, daqueles que tentamos evitar, de qualquer forma, mas eles vêm. Não sei como, consegui segurá-lo. Tossi, fiz caretas de quem está apertado, à procura de um banheiro, mas agüentei firme.

Resolvemos dormir em Garmisch-Partenkirchen. Esses nomes germânicos são muito fáceis de decorar. Lê-se uma vez, fecham-se os olhos. Pronto, já sabemos soletrar Garmisch-Partenkirchen, da frente para trás e de trás para frente. Nada complicado como Porto Alegre, ou Canoas.

Na entrada da cidade de nome tão singelo, de fácil pronúncia para aqueles que nada dominam do idioma alemão, deparamos com dois pequenos hotéis, emoldurados com a estonteante visão dos Alpes, por um lado, dos campos de feno recém-colhido, por outro. Dos fundos do hotel mais barato, e aparentemente mais aconchegante, vinha uma música emoldurada com o inconfundível Hô-hô-hô. Em plena tarde. Tocavam sinetas. Sim, os bávaros também tocavam sinetas. Não podia vê-los, pois aparentemente estavam no mato, ao pé do morro, atrás do hotel. Comentei que seria melhor não ficar num hotel cheio de bávaros em festa, pois ninguém conseguiria dormir. Esses bávaros deveriam estar muito embriagados, pois seus Hô-hô-hôs soavam mais desafinados e fora de qualquer ritmo.

Em meio à gargalhada geral, descobri que aqueles bárbaros bávaros tocando sinetas eram, na verdade, um rebanho de bodes e cabras. Como é bom poder rir dos próprios micos, de vez em quando.

E-mail: prheuser@gmail.com

Marcadores: ,