12.4.07

O Gamerial Pôs Fogo no Circo

O Gamerial Pôs Fogo No Circo

Por Paulo Heuser


As pessoas diferentes são mais notadas nas cidades menores. Lá todos conhecem todos. Nas grandes cidades elas se limitavam aos bairros, cada um com seu louco, seu excêntrico, seu avarento, sua velha que cria 128 gatos, e assim por diante. O próprio conceito de loucura vem mudando ao longo dos tempos. O que seria um louco varrido, há alguns anos, hoje poderá ser um virtuoso em alguma área. Loucura e genialidade, por vezes, andam juntas.

Foi nisso que pensei, ao ver um sujeito empurrando um carrinho de compras, próximo ao Mercado. Até aí, nada de mais. Uma cena natural, não fosse pela placa de papelão, que ostentava no peito, dependurada no pescoço através de fios. A placa dizia: “Gerente de RH”. Dizia não, gritava. Fica difícil classificá-lo, entre louco e visionário. Uma coisa ele conseguiu, com certeza: destaque. Sobressaiu-se entre milhares de Marias e Joões que passam por ali diariamente. Foi o ponto vermelho em meio aos cinza, o que fez a diferença.

Confesso que fiquei um pouco perturbado, tentando imaginar sua história. Por que não o gerente operacional, o industrial ou o financeiro? Bem, o que o levou a colocar aquela placa no peito perdeu-se junto com ele, levado pelo mar de gente anônima que se foi, para lugar nenhum. Não tornei a vê-lo. Lembrei-me do Gamerial, no entanto. Ele andava pelas ruas de Santa Cruz do Sul, catando baganas de cigarros, enquanto xingava alguém transparente, inodoro e insípido. Ao vê-lo chegando, a molecada gritava: “O Gamerial pôs fogo no circo”. Não sei quem lhe deu, nem por que, um apelido de marca de pó-de-gafanhoto. Faz-se hora de esclarecer aos urbanos que pó-de-gafanhoto não é um pó obtido através da secagem e moagem de insetos. É um veneno. Seja como for, Gamerial e a molecada mantinham aquela relação de amor e ódio que os normais costumam manter com os diferentes. Caçoam deles, mas deles sentem falta, quando não estão. Coisas do sadismo guardado dentro de todos nós, liberado quando crianças. Acusavam-no, a título de pirraça, de ter posto fogo no circo que queimou na cidade aí por 1960, creio eu. E o Gamerial corria atrás das crianças, xingando e gesticulando, sem nunca alcançá-las. Fazia parte do jogo. Não queria alcançá-las, na verdade.

Os diferentes geravam assunto. Nutriam a imaginação. Hoje são tantos, nas grandes cidades, que passam despercebidos, para muitos. Tornaram-se lugar comum, deixaram de ser diferentes, portanto. Transcenderam os bairros, perdendo sua identidade.

Ninguém mais repara. Passo despercebido, puxando meu crocodilo empalhado, com rodinhas vermelhas.


E-mail: prheuser@gmail.com

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3 Comments:

At sexta-feira, 13 abril, 2007, Blogger José Elesbán said...

Bonitinha a ilustração. Tu que fizeste?

 
At sexta-feira, 13 abril, 2007, Blogger Paulo Roberto Heuser said...

Sim, é produção própria. Que talento desperdiçado, não? :)

 
At quinta-feira, 19 abril, 2007, Blogger José Elesbán said...

:))

 

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