10.4.07

O Erro de Dante


Publicada no jornal Gazeta do Sul, de Santa Cruz do Sul, em 13/04/2007:

http://www.gazetadosul.com.br/default.php?arquivo=_noticia.php&intIdConteudo=73195&intIdEdicao=1132
O Erro de Dante


Por Paulo Heuser


Quem descobriu o Brasil não foi Pedro Álvares Cabral, como contam os livros de História. Foi Dante Alighieri, aí por 1320, quando empreendeu uma viagem aos três reinos do além-túmulo, guiado por Virgílio, autor da Eneida, épico romano do século I a.C. Atravessando o Rio Aqueronte, levados pelo barqueiro Caronte, Dante e Virgílio chegaram ao Brasil. Esperavam encontrar o Limbo, no vestíbulo do Inferno. Encontraram o próprio Inferno, o Brasil. Visitaram nossas cidades, onde as balas perdidas encontram novos donos a cada dia, levando novas almas aos círculos dos mundos além-túmulo. Experimentaram o crack, assistiram aos arrastões, assaltos, assassinatos e às cenas dos famélicos miseráveis morrendo de fome e das doenças, nas ruas. Viram a prostituição infantil. Assistiram ao êxodo rural e a guerrilha no campo.

Em outro círculo do Inferno, assistiram à espoliação dos trabalhadores pela pilhagem oficial dos impostos. À renovação da CPMF. No terceiro círculo esperavam encontrar os gulosos sendo flagelados pela chuva putrefata, observados por Cérbero, o cão de três cabeças. Não estavam lá. Também não encontraram os avarentos, os iracundos e os insolentes soberbos, nos círculos seguintes do Inferno. Encontraram apenas os gentios, sofrendo os horrores da doença, da miséria e da ignorância. Isto sim é um Inferno, digno do nome. Como o fogo das queimadas que destroem a Amazônia, na nova corrida pelo Ouro Etílico. Tudo arde em chamas, como se o enxofre caísse do céu.

Dante e Virgílio acabaram chegando a Brasília, o Paraíso. Lá acabaram encontrando o que faltava no Inferno, paradoxalmente. Encontraram os gulosos que não se saciam com nada, aumentando seu lucro enquanto reduzem seu trabalho. No Paraíso se trabalha de terça à quinta-feira, pela manhã. Depois é hora de visitar o inferno, lá chamado de bases. Reduziram a jornada, pois o barqueiro Caronte andou complicando as travessias. Os insolentes estavam por toda parte, escancarando sua soberba, zombando dos habitantes do Inferno, que os colocaram lá. Encontraram os iracundos que ocupam seu dia fazendo intrigas que não permitem que se faça algo aproveitável. Lá também estavam os avarentos, que não liberam as verbas para satisfazer as necessidades mínimas das almas do Inferno, desviando-as para o próprio paraíso. Acima de todos, lá estavam os hereges, traidores dos dogmas que defendiam quando foram alçados ao Paraíso.

Como Dante errou, ao escrever sua Divina Comédia. O Inferno era aqui.


E-mail: prheuser@gmail.com

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