29.5.07

Estacionar É Preciso

Publicada no jornal Zero Hora de 26/06/07
Estacionar É Preciso

Por Paulo Heuser


Navegar é preciso, estacionar, impossível. Pelo menos em Paris. Chegando ao hotel, o simpático e solícito armênio da portaria deu-me as instruções para localizar o estacionamento conveniado, numa rua próxima. Ele esqueceu-se apenas de alguns detalhes, como ruas de mão única. Lembrei depois que os armênios costumam negar com gestos afirmativos, e vice-versa. Tarde demais. Após uma dúzia de voltas nos quarteirões próximos, já estava quase desistindo, pois parecia mais fácil vender o carro do que encontrar um estacionamento.

Minha ânsia por encontrar um lugar seguro para deixar o carro estava bem fundamentada. Afinal, o carro ainda tinha três pára-lamas inteiros – o que dava um índice de 75%, infinitamente melhor do que a média parisiense de 3,7% de pára-lamas inteiros. Sei, os quatro deveriam estar inteiros, mas um estacionamento liliputeano, na República de San Marino, ceifou a vida do quarto. Paris até que não oferece grandes riscos (na pintura). As cidades italianas são mais perigosas. Em Legnago, na Itália, assisti à cena de um carro colidindo com a porta de uma casa, esquecida aberta, numa ruela medieval. Mas é em Portofino, na Ligúria, que a habilidade em passar por lugares estreitos é testada exaustivamente. Numa estrada onde aparentemente passa somente um carro – não muito largo – trafegam ônibus e caminhões. Foi lá que descobri para que serve um botão no painel que recolhe instantaneamente os espelhos retrovisores.

Finalmente, encontrei um prédio onde se lia garage, em letras garrafais. A porta estava cerrada, sugerindo algum tipo de acesso automatizado. Como toda Europa é movida a cartões e moedas, procurei algum painel ou orifício. Nada, apenas uma imensa porta metálica lisa. Nisso, ouvi pequenas pancadas, dadas por longas e bem feitas unhas cor-de-rosa, no vidro do lado do motorista. Partiam de uma mulher bem vestida, que deve ter notado as placas vermelhas do meu carro, indicando ser de propriedade de um estrangeiro. Essas placas, por um lado, atraem todo tipo de vendedores de cópias autênticas da Gioconda, por outro, mantém os demais motoristas a uma distância segura – Cuidado, bárbaros a bordo!

À pergunta que se seguiu, num misto de francês e inglês, sobre estar procurando uma garage, respondi com um sim, aliviado e entusiasmado. Aquela mulher caíra do céu! Ela apontou para o outro lado da rua, onde se lia também garage, em letras bem menores, e orientou-me para ingressar num estreito corredor que acabava numa oficina mal iluminada. A simpática mulher solicitou as chaves e os documentos do veículo, coisa não usual nos estacionamentos. Fiquei meio desconfiado, olhando para três sujeitos grandes e bigodudos que conversavam num pequeno escritório. Mas, eu estava em Paris, deveria estacionar como os parisienses, portanto. Estranhei mais quando ela me disse que poderia buscar o carro em uma hora, se eu quisesse. Disse-lhe que o buscaria na manhã seguinte, às oito horas. Ela fez uma careta e perguntou-me sobre a possibilidade de buscá-lo às 8h30, quando estariam abrindo.

Foi então que algo me levou a perguntar sobre o preço do pernoite do carro. Ela respondeu algo que pareceu ser 65 € (cerca de R$ 190). Impossível, pensei. Perguntei-lhe se eram 16 €. Não, ela confirmou que eram 65 € mesmo. Ante minha indignada reação, levou-me ao pequeno escritório onde os três sujeitos conversavam. Pararam com a conversa, por sinal, e ficaram me olhando. Teria eu caído no famoso conto do estacionamento parisiense, recém-criado? No escritório, ela apontou para uma tabela na parede, onde se lia “Revisão Diesel: 65 €”. Quando eu consegui explicar à mulher que procurava um estacionamento (parking), ela ficou visivelmente constrangida, enquanto os três sujeitos desataram a gargalhar. Choravam de rir. Um deles me levou até o verdadeiro estacionamento, a uma quadra dali. Riu durante todo o percurso. Não perdeu a oportunidade de contar o ocorrido ao encarregado da garagem, que desatou também a rir. E eu me sentei no primeiro café que encontrei na rua, pedi uma densa e escura cerveja Kronenbourg 1664 Brune e me deixei levar por sonhos com um mundo distante, onde havia ruas largas e estacionamentos por todos os lados.


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