5.6.07

Disfarces Que Denunciam


Disfarces Que Denunciam

Por Paulo Heuser

Nada é mais institucionalmente simbólico do que um francês, ou uma francesa, carregando um pão tipo baguette, também francês, pela rua. Normalmente eles carregam dois pães, um dos quais será devorado no caminho desde a padaria (boulangerie) até sua casa. Francês que se preze não compra pão no supermercado. Aliás, os autênticos franceses não compram nada no supermercado. Nem sabem da existência deles, reservados para os imigrantes e turistas. Vale a pena comprar um pão baguette na padaria, mesmo se estando hospedado em um hotel. É-lhe entregue sem embrulho, apenas com um pequeno pedaço de papel para segurá-lo, no centro. O pão não chegará ao hotel, de qualquer forma, devorado pelo portador, durante o percurso. Pensando bem, aqui ocorre mais o menos o mesmo. Trocam-se papéis, apenas. A figura do portador que come o pão dá lugar à figura do ladrão que leva – e come – o pão. Afora eventuais problemas nos aspectos higiene e segurança, não vejo razão para se embrulhar o pão. A não ser que o sujeito vá para casa de metrô. Baguettes, tábuas para passar roupa e réguas “T” (aquelas enormes, de desenho) não combinam com metrôs ou ônibus apinhados de gente.

Há coisas que é melhor não carregar pela rua, a não ser quando embrulhadas. Certa feita, faz uns 30 e poucos anos, levei um jacaré empalhado, sob o braço, tomando um ônibus urbano. Na entrada do coletivo o motorista fechou a porta no rabo do jacaré, que demorou mais a embarcar. Da cara do cobrador lembro-me até hoje, enquanto gritava “- Abre atrás!”, para liberar a cauda do infeliz réptil da família alligatoridae da ordem crocodylia. Imagino que você esteja tentando imaginar o que eu fazia com um jacaré. A explicação é muito simples: o dei de presente para uma menina, numa festa do colégio. Melhor do que uma caixa de sabonetes, não é? Onde arrumei um jacaré empalhado? Bem, aí a coisa se complica. Hoje, provavelmente, eu e o jacaré terminaríamos numa delegacia. Naquela época havia crimes bem piores do que aquele.

Carregar jacarés no ônibus era estranho. Havia coisas consideradas mais estranhas, no entanto. Raquetes de tênis, por exemplo. Quem as levava, era visto com desconfiança pelos passageiros, digamos assim, menos refinados, que prontamente apelidavam os portadores de “Esterzinha”, numa alusão à jogadora Maria Esther Bueno, maior nome do tênis brasileiro. Por isso, escondiam-se as raquetes no interior de grandes bolsas.

Outra coisa que ninguém carregava à vista de todos - e que continuam não carregando - eram os potes e frascos destinados aos subprodutos indesejáveis da digestão, utilizados nos exames clínicos. Passaram a embrulhá-los em papel pardo, como disfarce. Em pouco tempo, o papel pardo virou sinônimo de embrulho de potes de fezes. Assim como os envelopes de papel pardo viraram sinônimos de transporte de dinheiro. Especialmente quando carregados cuidadosamente sob a axila, nas sextas-feiras à tarde, por uma dupla de sujeitos nervosos saídos de uma agência bancária. Construtores retirando o pagamento semanal dos operários da construção, com certeza. Os rodízios de churrasco terminaram com o pacote de “ossos para o Rex”. Cachorro se chamava Rex ou Tupã. E os restos do almoço eram levados para casa, nos embrulhos de papel pardo, para o Rex. Que os comia, se sobrasse algo, após o carreteiro da janta. Resto de rodízio, não cola. Há quem tente, contudo.

Ontem peguei emprestado um objeto que também ninguém carrega a céu aberto. É aquele utilizado para ... sabe ... desentupir coisas que não são pias. São coisas maiores do que as pias, nas quais não se lava o rosto e, muito menos, escova os dentes. Sei, as banheiras são maiores do que as pias, pelo menos as banheiras antigas, mas não se trata de banheiras, no caso. Fiquei com a impressão de que todo mundo me observava, na rua. Só por que carregava um cabo de madeira com um objeto arredondado, ensacado numa das extremidades?


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