1.6.07

Da Hora e da Voz


Da Hora e da Voz

Por Paulo Heuser


Cresci ouvindo a Hora do Brasil. Todas as noites, religiosamente, ou melhor, militarmente, a coisa ia ao ar. E continua indo. Esse programa prestou grandes serviços às populações mais isoladas do país. Chato para uns, excelente para outros. O que foi estranho, na verdade, foi o desaparecimento do “em Brasília são 19 horas”. Hoje são apenas sete. Disseram que o povo não sabia contar até 19. Até sete, sabem. Depois de 1962 passou a chamar-se Voz do Brasil. Muita coisa mudou nesses anos. A linha austera e censurada do regime militar deu lugar ao Guarani forró de hoje. Carlos Gomes não está mais aí, para dizer se aplaude, se chora ou se apenas ri. A Hora do Brasil pegava o horário do jantar. Na hora do almoço, especialmente nos domingos, o ar enchia-se de musicas dos grandes maestros de vitrola, como Paul Mauriat e Ray Conniff, suavemente recomendáveis para uma boa digestão.

Viajando, lembrei-me da Hora/Voz do Brasil. Estando em outro país, cuja língua se estuda, nada melhor do que manter o rádio do carro ligado, enquanto se viaja. O ouvido começa a se familiarizar com a outra língua. Assim fiz na Itália. Os italianos costumam fazer um ritual de almoço com antepasto, primeiro prato, segundo prato, ..., ..., ... e sobremesa. Coisa longa, para lá de hora e meia. Imagino que muitos devem ouvir rádio, ou olhar TV, enquanto almoçam. Contrariando a folga do almoço, aproveitei para viajar exatamente na hora do almoço (pranzo). As estradas ficam bem mais vazias, o que é extremamente importante no Tirol, onde encontrar com um veículo vindo na direção contrária é uma experiência inesquecível.

Liguei o rádio do carro num modo de sintonia automática, deixando que escolhesse a emissora com melhor sinal. Por vezes, é sempre a mesma, operando em cadeia. O que no Tirol pode ser nenhuma, em alguns momentos. Notei que algumas rádios transmitem programas médicos, na hora do almoço. O fato teria passado despercebido, se não fosse a próstata. Não a minha, a do rádio. Ou melhor, a do programa de rádio. Segunda-feira, 12 horas (até 12 os italianos também sabem contar), subindo os Alpes, e a entrevistadora coleta, através do telefone, experiências com a próstata dos ouvintes. Terça-feira seria dia do apêndice? Não, terça-feira, 12 horas, descendo alguma montanha, lá está novamente a apresentadora da próstata. E os inúmeros relatos dos ouvintes. Sete ou oito interessantíssimos relatos sobre próstatas. Bem o que os ouvintes desejam ouvir na hora do almoço. Na quarta-feira, inovei. Almocei na hora do almoço. Num restaurante simples, mas correto, com uma TV de plasma na parede, apresentando algum programa sobre... próstata! Foi então que me caiu a ficha. Os italianos não têm Hora ou Voz da Itália. Eles têm a Hora da Próstata! – Ora Della Prostata.




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