23.8.08

449 - Azulejos Brancos

Mausoléu de Teodorico. Ravenna, Emilia Romagna, Italia
Foto: Paulo Heuser
Azulejos brancos

Por Paulo Heuser


Se há alguma coisa que eu invejo, em algumas pessoas, é a criatividade. Admiro especialmente aquelas que conseguem solucionar qualquer problema através do improviso. Assim é o Valmir. Ele raramente compra alguma coisa. Conserta tudo, mesmo que a aparência não fique perfeita. Ele conserta até mesmo os palitos de fósforo quebrados. Na praia, todo mundo sabe onde Valmir armou seu guarda-sol. É o único que combina partes de tecido estampado com partes de tecido floreado. Estranho, porém funcional.

Valmir se casou com a Clara, que adora azulejos limpos. Adora, é pouco. Ela é alucinada por azulejos limpos. Azulejos brancos. Toda a casa deles tem azulejos brancos, em vários formatos, mas brancos. Essa mania fez com que ela conhecesse Valmir. Eles tentavam comprar um Vaporetto. Não daqueles que fazem as vezes de ônibus nos canais de Veneza. Eles procuravam uma daquelas máquinas de limpeza com vapor. Clara e Valmir se encontraram em três lojas, onde pediram o mesmo produto em falta. Na terceira vez, entabularam uma conversa sobre azulejos brancos. Brancos e limpos, naturalmente. Azulejo para cá, azulejo para lá, casaram-se e foram passar a lua-de-mel na Europa, na trilha de cerâmicas deixada pelos mouros. Passaram por Ravenna, na Itália, onde admiraram a cerâmica bizantina, seguiram por Málaga, na Espanha, e finalizaram a viagem duplamente temática na cidade de Sintra, em Portugal. A lamentar, somente a cor. Por que pintavam a cerâmica? Eles ficaram a imaginar salas inteiras recobertas de azulejos brancos. Planejavam comemorar as Bodas de Prata no Egito, onde veriam o berço do azzelij – azulejo, em árabe. O destino e o feijão fizeram com que essa viagem nunca ocorresse.

A mania por limpeza dos azulejos brancos da Clara fez com que instalassem a cozinha fora da casa, numa peça afastada. Cozinha gera sujeira, e esta é a inimiga número 1 da limpeza. Clara mantinha a cozinha original vazia, um lugar perfeito para se admirar a sucessão de peças cerâmicas brancas. Desde que retirasse os calçados, antes de entrar. Nada de tocar nas paredes, pois os dedos deixariam impressões digitais. O banheiro da casa nunca foi utilizado. Optaram por fazer a higiene em peça anexa, onde as paredes e o piso foram recobertos com grandes peças de cerâmica vermelha. Nada que lembrasse, nem de longe, os maravilhosamente monótonos azulejos brancos. Planejavam ter filhos, mas estes nunca entrariam na cozinha. O destino e o feijão fizeram com que os pimpolhos ficassem apenas nos planos.

Clara ainda não havia desistido do Vaporetto. Porém, não conseguia encontrá-lo em lugar algum. E Valmir não havia desistido de improvisar um aparelho de limpeza a vapor. O azar do casamento foi o fato da Clara sair, para buscar arroz, no exato momento em que Valmir teve um rompante de criatividade, ao bater os olhos na panela de pressão do feijão, atraído pelo som característico do vapor escapando.


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