23.8.08

447 - Puxa-puxa de Ijuí


Foto: Paulo Heuser
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Puxa-puxa de Ijuí

Por Paulo Heuser


Pela calmaria que se vê nas ruas, creio que esta será a eleição mais boca de urna de todos os tempos. O caixa ficou minguado, e a legislação não está ajudando muito. A simples proibição da afixação de propaganda nos postes transformou muitos candidatos a vereador em ilustríssimos desconhecidos. Aliás, eles já eram desconhecidos da população em geral. Apenas perpetuaram essa condição. Cidades grandes são, na verdade, complexos amontoados de gente, onde cada cidadão nunca cruzará pela maioria dos seus concidadãos. Portanto, muitos ficam sem saber em quem votar, especialmente aqueles que não são bem informados. Limitam-se a assistir aos programas de TV, geralmente dos estados do centro do País. Como aqui não podem votar no Datena, na Hebe, no Huck, ou na assassina da novela das oito, dependem da boca amiga na urna incerta. Três vivas à democracia, nos passos da Dança do Créu. É claro que a culpa pela desinformação não cabe apenas a um ou outro. Nem à democracia. Aparentemente, cabe a todos nós, que sofremos as conseqüências. Especialmente eu.

Esta campanha de boca em boca torna minha lagarteagem de rua um inferno. Outro dia, o clone da Whoopi Goldberg veio pedir voto. Aproveito a hora em que os outros almoçam para relaxar na praça. Então, eles aparecem. Os anônimos aduaneiros, já que a praça é a da Alfândega. O Nestor já anda meio incomodado, pois não querem pagar pelo seu voto.

O candidato anônimo anda sozinho, ou, no máximo, com mais um ou dois comparsas que carregam papéis e um modesto estandarte, que teima em ficar enrolado. Eles são a versão ao vivo dos operadores de telemarketing. O problema é exatamente este, eles estão lá em carne e osso, cara a cara. Com eles não funciona o argumento, que uso pelo telefone, alegando que o pai e a mãe não estão em casa, que o assunto deverá ser tratado com o Dr. Barbosa, no Setor de Enciclopédias, que lá não mora ninguém, etc. Também não dá para se sair correndo. Assim, há de se cortar o mal pela raiz, sendo chato.

Hoje a raiz veio junto. Quem já tem muitas horas de praça acha que já viu tudo, mas sempre há mais para ser visto. A abordagem de hoje foi feita por uma mulher na casa dos setenta, eu diria. Com certeza, ela só votaria por opção, não por obrigação. Era uma mulher um tanto rústica, com a aparência muito mal cuidada de quem trilhou outros caminhos ao realizar sinapses. Ou seja, aparentava ser doida varrida, daquele tipo que pára ao seu lado, sem nada falar, e fica a olhar de forma estranha. Então vem aquele constrangimento terrível. Interrompi a conversa que tabulava com outra pessoa, esperando pelo bote. Ela segurava meio pé de hibiscus, com raízes e tudo, numa das mãos, enquanto a outra empunhava sacos sabe-se lá do quê. Na cabeça, chamava a atenção o boné com a propaganda eleitoral de um candidato a governador nas Eleições de 1994. Ela quebrou o terrível silêncio, sibilando:

- Se fores para Ijuí, te faço puxa-puxa (?)!

Antes que alguém pudesse questioná-la, ela esclareceu:

- Não é chiclete de borracha (outro ?)!

Dito isto, seguiu, sorrindo um sorriso sem dentes. Ficamos a pensar que estas eleições terão bocas desdentadas de urna, mascando puxa-puxa que não é chiclete de borracha. Será alguma mensagem cifrada? Qual será o papel do meio hibiscus?

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