466 - A classe média XIII - Pão com banha
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A classe média XIII – Pão com banha
Por Paulo Heuser
A primavera chegou ao desconhecido Município do Lado de Cá do Cinamomo. O crescido terneiro mugia, talvez de abobalhação, talvez de assombração. O telefone de baquelita do Bar, Churrascaria e Borracharia 12 Irmãos tocou, e acordou o Sétimo, que dormia em pé atrás do balcão. Ele atendeu e conseguiu entender, em meio aos chiados, que o Estranho estaria chegando ao Lado de Cá do Cinamomo, último reduto da classe média não-estatística. O Governo estaria tentando falar com o Prefeito há dois dias, mas foram impedidos pelos problemas de comunicação provocados pelos galhos do cinamomo batendo nos fios.
O jipe do MIMA – Ministério da Margarina – chiou os freios em frente ao 12 Irmãos, antes de o Sétimo dizer o até logo que soou meio carioca, pelo chiado dominante na linha. O estranho veio acompanhado pelo agente especial sanitário Patterson e pela agente sanitária sênior Halley-Bop. Os agentes vestiam roupas especiais que exibiam o símbolo universal que indica perigo biológico. O Sétimo acionou a alavanca do SMA – Sistema Municipal de Alarme –, que puxou a corda amarrada ao badalo do sino da igreja. Padre Antão dormia no confessionário, enquanto ouvia a confissão do dia da Dona Clotilde. Ela confessava dirigir sem uso do cinto de segurança, pois o Dauphine 1962 não estava equipado com esse item de segurança. Tampouco com qualquer outro. Padre Antão lhe prescreveu a reza de sempre e correu para o 12 Irmãos.
O padre chegou a tempo de ver os agentes Patterson e Halley-Bop medirem alguma coisa com instrumentos que emitiam bipes cadenciados. Ela apontava o instrumento para o balcão atrás do qual o Sétimo acordou e gritou:
- Resultado positivo, às doze horas!
- Mas, são recém 10h35... – observou o Sétimo.
O agente Patterson também apontava seu medidor para o balcão, no momento em que Linoberto entrou no 12 Irmãos, alertado pelo badalar do sino.
Linoberto cumprimentou rapidamente o Estranho e perguntou:
- O que lhe traz desta vez? Uma nova lei besta?
- Não, Linoberto. O MIMA recebeu uma denúncia de uso de manteiga. Esta foi banida das prateleiras dos mercados do lado de lá do cinamomo por ter sido considerada insalubre pelos fabricantes de margarina e derivados.
- Insalubre para os negócios deles, bem entendido. – disse Linoberto.
- Não é apenas uma questão comercial, há também o problema do biodiesel e do pré-sal! – afirmou o Estranho.
- Alguém come biodiesel? – perguntou o Sétimo.
- Não diretamente, mas para fabricarem manteiga reduzem a área plantada de soja e prejudicam a produção estratégica do biodiesel. Menos vacas, mais óleo, é o lema.
O crescido terneiro mugiu, talvez de compreensão, talvez de constipação.
- E o pré-sal, o que tem a ver com isso?
- Ora, é óbvio, sabe como é, a relação entre o pré-sal e a margarina de biodiesel está intrinsecamente ligada à questão da exploração futura do óleo extraído da camada pré-sal que financiará a exploração do biodiesel como... como... como aquilo.
Todos permaneceram em silêncio durante alguns instantes.
- Fabricarão margarina com sal? – perguntou o Sétimo.
- Com sal, sem sal, aditivada ou não, fabricaremos qualquer tipo de margarina. O MIMA está encarregado da eliminação da manteiga. Poremos fim às gorduras saturadas!
A agente Halley-Bop apontou seu instrumento investigador na direção do copo da “boa” que o Sétimo serviu.
- Nós não temos margarina no Lado de Cá do Cinamomo. Só usamos manteiga. – disse o Sétimo.
A agente Halley-Bop sentiu uma súbita náusea, e saiu em disparada na direção da janela dos fundos do 12 Irmãos, bem ao lado do chiqueiro. Se ainda estava em dúvida quanto a não-digestão do café da manhã, esta se dissipou de pronto.
- Mas, nós gostamos da manteiga! A tal de margarina não tem gosto, ou melhor, tem gosto de margarina! – disse o Sétimo.
- A margarina é o produto preferido da população mundial, desde sua invenção pelo químico francês Hippolyte Mège-Mouriés, a pedido de Napoleão III! - O Estranho estava ficado entusiasmado com o próprio conhecimento do assunto.
- Ela foi fabricada a partir de gordura animal porque a manteiga era muito cara! – protestou Linoberto – E mais, somente muito depois é que fizeram a margarina com óleos vegetais, inclusive com essas gorduras trans tão combatidas.
- Só falta vocês também quererem comer banha! - disse o Estranho.
A agente sênior Halley-Bop não resistiu e correu novamente para a janela.
- Não há nada melhor do que pão com banha fresca! – o Sétimo abriu um largo sorriso.
A agente sênior Halley-Bop não resistiu e permaneceu junto à janela. Ela não conseguia imaginar que tipo de pessoa comeria manteiga e banha de porco, e a náusea se fez presente.
- Seja como for, vocês terão de abdicar da produção dessas gorduras polissaturadas. Elas são insalubres e antipatrióticas, pois vão de encontro às políticas do biodiesel e do pré-sal.
Maria estava cozinhando marmelada, quando Linoberto chegou em casa.
- E então, Lino, como foi a encrenca?
- O pessoal do lado de lá do cinamomo só inventa bobagens. Agora resolveram que temos de plantar soja e comer a tal de margarina, aquela pasta sem gosto que eles fabricam. Dizem que não podemos mais fabricar manteiga.
- Teremos de comer aquela pasta horrível? – Maria sentiu um calafrio.
- Tivemos de fazer um acordo.
- Qual?
- Bem, prometemos não fabricar mais manteiga.
- E o que comeremos sobre o pão, além da banha?
- Ora, bateremos a nata do leite até que ela fique dura.
- Isso não é manteiga?
- Não, Maria, - Linoberto deu uma piscadela – é nata muito batida.
- Lino, o padre me disse que a tal da agente vomitava o tempo todo.
- É, Maria, creio que serão gêmeos.
O crescido terneiro mugiu, talvez de gestação, talvez de marcação.
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Marcadores: Halley-Bop, manteiga, margarina, pão
4 Comments:
Gestação? Este terneiro vai virar uma vaca?
Bem, esse terneiro é parente da vaca de Brochier:
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A vaca do caminho de Brochier é interessante, ainda mais que O Lado de Cá do Cinamomo fique em algum lugar do Rio Grande do Sul, que só seus habitantes e o Estranho sabem encontrar.
Mas isso não responde se o terneiro se tornará uma vaca...
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