11.2.09

501 - O pavor nuclear


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O pavor nuclear

Por Paulo Heuser


Os anos de 1986 e 1987 marcaram a década dos grandes acidentes nucleares. Em 1986, ocorreu o pavoroso acidente com a usina nuclear de Chernobyl, na Ucrânia, local até hoje isolado e inabitável. Os números oficiais falam em quatro mil mortos, os não tão otimistas falam em 97 mil mortos e os pessimistas falam em sete milhões de atingidos, em maior ou menor grau.

Em 1987, os sócios de um ferro-velho de Goiânia reviraram as instalações abandonadas do Instituto Goiano de Radioterapia e encontraram uma cápsula de Césio-137, isótopo radioativo utilizado em equipamentos de radioterapia. Após venderem a cápsula que continha o Césio-137, que foi aberta, contaminaram 638 pessoas, pelos números oficiais, quatro das quais morreram em curto prazo.

Neste novo século, as notícias alarmantes se sucedem. O G1 noticiou, em 22 de junho de 2008, que agentes federais do Presídio de Segurança Máxima de Catanduvas (PR) haviam sido expostos ao isótopo radioativo Césio-137, ao brincarem com um aparelho de raios-X utilizado para fiscalização. Nestes tempos de iutube, um agente envolvido na brincadeira disponibilizou o vídeo produzido na ocasião.

Em 30 de janeiro de 2008, novo alerta. A Folha do Acre noticiou um incidente ocorrido em Rio Branco, na estrada de Quixadá. A manchete foi: Aparelho de raio-X contendo Césio-137 some de ferro-velho. E a história se repetiu. O dono do ferro-velho chamou um amigo, para juntos abrirem o tal do aparelho que conteria a substância mortal. Fala daqui, fala dali, e a notícia chegou ao Instituto de Criminalística do Acre, que de pronto enviou peritos ao local. Eles descobriram que a cápsula contendo o Césio-137 havia sumido. O aparelho teria sido recolhido e enviado ao Instituto do Câncer de Rio Branco. Os peritos mediram os níveis de radiação no local e nada encontraram. O jornal alertou para o perigo da eventual abertura da cápsula de Césio-137, que promoveria matança em massa num raio de 30 km. A partir daí, o mistério dominou o explosivo assunto, pois nem a polícia federal nem a estadual manifestarem-se sobre o ocorrido. Segundo a Folha do Acre, havia uma bomba adormecida em algum lugar da capital daquele estado. Então, descreveram, com algum detalhe, o funcionamento da cápsula de Césio-137, sob o título: Bomba. Estranharam também o fato de o governo não haver interditado o local. O que causava mais pavor era a emissão de 662 keV de raios gama. O que seria um keV? A história indicava que o assunto estaria sendo abafado pelas autoridades, como nos melhores, ou piores, filmes norte-americanos do gênero ficção-catástrofe.

A resposta à teoria da conspiração veio logo, em nota assinada pela Dra. Denise Pinho, Delegada Geral de Polícia Civil. Em brilhante nota, ela demoliu a boataria criada em torno do assunto, ao esclarecer algo fundamental na Física: aparelhos de raios-X são elétricos e não utilizam isótopos radioativos. Quando desligados da força, nada mais geram. Os raios-X se originam na coroa eletrônica - que não é uma senhora ouvindo aipode -, enquanto os raios gama se originam no núcleo dos átomos. Os isótopos radioativos são utilizados nos aparelhos de radioterapia, não nos de radiologia. Aqueles servem para o tratamento do câncer, e estes para o diagnóstico. A nota da Dra. Denise foi bastante precisa e, por que não dizer, usou de fina ironia, pois atribuiu o sumiço da cápsula a sua inexistência. Ela mostrou-se indignada com a divulgação da falsa informação de que a “bomba” havia sido enviada a um hospital, para desespero dos pacientes lá internados.

Esses incidentes e acidentes ensinam alguma coisa: donos de ferros-velhos adoram cápsulas de Césio-137; donos de aparelhos de radiologia e radioterapia adoram abandoná-los; válvulas eletrônicas e cápsulas de isótopos radioativos não são iguais, pois estas podem contaminar o ambiente, ao contrário daquelas; jornais adoram colocar Césio-137 em aparelhos de raios-X. Ninguém sabe o que são keVs, mas, que vendem jornais, vendem. Aprendi algo além de tudo isso: H.G. Wells fez escola, com sua Guerra dos Mundos (1953).

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