29.1.09

499,999 e 7/8 - Livros... Livros? Melhor não lê-los



Foto: Wikipedia
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Livros... Livros? Melhor não lê-los

Por Paulo Heuser


Ler dá azia, segundo o Presidente. Ler notícias, bem entendido. Nada que algumas doses daquele leite de magnésia de fílipis não possam resolver. O hidróxido de magnésio – MgOH2 –, em suspensão edulcorada, anula o efeito corrosivo da leitura das notícias que desagradam ao leitor. Para lê-las, no entanto, alguns cuidados há de se tomar. Ao tomar o leite de magnésia de fílipis, observar que as interações medicamentosas dele com tetraciclinas, levodopa, lítio, benzodiazepínicos e um monte de outras gororobas, inclusive diflusinal, trazem outros problemas. O leitor corre o risco de se transformar em um diarréico ácido deprimido. A depressão viria não apenas da redução dos efeitos do lítio, como também da combinação da azia com a diarréia. Não há como não ficar deprimido. Pior mesmo, só se agregadas à tosse.

Entendidos os mecanismos das patologias jornalísticas, resta um remédio milenar, de mínimos efeitos colaterais. É a leitura crítica. Aplica-se um filtro exterminador ideológico, sobre as notícias, e se lê o que efetivamente está lá escrito. As matérias publicadas nos jornais e nas revistas costumam pender, pouco ou muito, para o lado para onde se inclina o veículo jornalístico. Cabe ao leitor a identificação dos preconceitos e paixões embutidos nos textos. Há leituras muito difíceis, como as matérias sobre os conflitos na Faixa de Gaza, onde ninguém é inocente, e, se algum dia o foi, perdeu-se na poeira do tempo, quando um trilobite – artrópode do Período Cambriano – romano expulsou um trilobite hebreu, que, por sua vez, expulsou trilobites palestinos, que explodiram trilobites hebreus, que pulverizaram trilobites palestinos, que... Quem, mesmo, começou isso tudo? Não havia leite de magnésia, naquele tempo. Nem azia, suponho.

O efeito colateral da leitura crítica é a chatice dos que ficam sobre o muro. Eles ouvem tanto o lado A como o lado B, por mais chato que este possa ser. Não se emocionam tanto na leitura das notícias. Tampouco reagem com paixão, pois, movidos pela razão, dificilmente pendem completamente para um dos lados. Não pegam em faixas e cartazes de protesto. Os chatos adquirem a capacidade da leitura crítica ao lerem livros. A leitura dos livros desenvolve a capacidade de abstração necessária à leitura crítica. Lê-se muita bobagem, mas, um dia, chega-se lá. Os chatos reservam a paixão para a leitura dos livros. Com agenda oculta, sem agenda oculta, os livros permitem vôos apaixonados através das asas da imaginação. O escritor planta uma semente, que germinará de forma distinta conforme o leitor. Há livros enfadonhos, mal-escritos, absurdos e obscuros, mas nenhum deles dá azia. Livros especiais são os que foram proibidos. Se o foram, há algo neles que causou medo, não azia.

Lamentavelmente, os livros vêm sendo deixados de lado. O Tio Guguel – que tudo sabe e tudo vê, mesmo que torto – encontra sinopses de qualquer coisa escrita. Menos do Horizonte Zenital – com Z! -, do Dr. Hermann Von Schweissberg. Eu li esse livro durante a minha adolescência e acredito ter sido o único a fazê-lo. Era tamanha a sucessão de bobagens, que não consigo me lembrar do que li. Porém, a leitura não me causou azia. Amnésia, sim, mas sem azia.

Aos que ainda se perguntam por que lêem, fica uma corruptela do Poema Enjoadinho, de Vinícius de Morais: Livros... Livros? Melhor não lê-los. Mas se não os lemos. Como sabê-lo?

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