23.12.08

499,9 - Vinálias elétricas

Foto: Desciclopédia
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Vinálias elétricas

Por Paulo Heuser

 

Os antigos habitantes do Lácio – região central da Itália - comemoravam duas datas muito importantes para os apreciadores do vinho. Eram as Vinálias. A Vinália Rústica era comemorada em 19 de agosto e festejava o início da safra, enquanto a Vinália Urbana era comemorada em 23 de abril e festejava o vinho novo. A bebedeira era grande, nas duas comemorações, tanto que as virgens eram vigiadas com extremo cuidado, pelo temor da perda do seu diferencial que lhes permitiria ingressar na ordem das Virgens Vestais.

O vinho novo dos antigos habitantes do Lácio deve ter sido algo um tanto diferente dos vinhos da atualidade. Como me disse recentemente um enólogo, não há vinho ruim, existem propostas diferentes. Por vezes, elas me parecem diferentes demais. Contudo, creio que ele tem razão. Creio também que nos habituamos com determinadas uvas e determinadas técnicas de vinificação e criamos padrões de gosto. Quem se habitua aos vinhos mais complexos e envelhecidos estranha os vinhos muito jovens, pois nestes ainda não ocorreram processos químicos que demandam tempo, sítio e ambiente específicos. Os produtores de vinhos finos pesquisaram, durante séculos, as melhores castas, os melhores solos, as melhores madeiras para pipas e as melhores técnicas para a produção de grandes vinhos. Um bom vinho demanda paciência e arte. Tudo isso afasta a maioria dos potenciais consumidores, pois não basta gostar de vinho, há de se ter como comprá-lo. Creio que nunca me esquecerei da cena que presenciei num supermercado popular, faz alguns anos. Duas senhoras de aparência humilde, que levavam apenas gêneros de primeiríssima necessidade no carrinho, discutiam a exatidão da etiqueta afixada à prateleira de um vinho francês de 600 reais a garrafa. Aquele vinho não pertencia ao mundo delas, nem àquele supermercado.

Firulas à parte, a seção de ciência da Folha de São Paulo traz noticia que dá o que pensar. Os cientistas da Universidade Tecnológica do Sul da China descobriram que se pode apressar o amadurecimento do vinho jovem quando este é submetido a uma corrente elétrica, a partir de eletrodos de titânio. Dão choques no vinho. Isso dá medo. Já posso imaginar um gran cru da Borgonha chinesa, vendido em tetrapac e submetido à eletrocussão. Como serão os rótulos? Életrocuté dans le château chinois – Eletrocutado no castelo chinês? Os pesquisadores chineses afirmam que conseguiram melhorar muito seus vinhos, como direi, de proposta excessivamente diferente. Assim, aproximarão os consumidores menos favorecidos dos vinhos de proposta menos diferente. Não que eu possa comprar os bons vinhos franceses, mas gosto de saber que eles existem.

O que mais temo, é a velocidade vertiginosa da evolução dessas novas técnicas. Hoje, aplicam uma corrente elétrica ao vinho. Amanhã, quem sabe. Aplicarão choques no cliente, enquanto ele bebe o vinho. Just in time. Coisa de administração da produção. E nós, seremos insumos.


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