29.11.08

496 - O fim dos periódicos


Deutsche Autobahn
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O fim dos periódicos

Por Paulo Heuser


Preocupo-me com o fim dos jornais. Ele já está acontecendo insidiosamente. Eu gostava muito de ler os jornais, um hábito que cultivei desde sei lá quando. Eu gostava de levantar cedo pela manhã e apanhar o jornal na soleira da porta. Então eu lia praticamente todo o jornal da manhã, enquanto tomava meu café. Eu nunca consegui sair porta afora mastigando metade de alguma coisa e calçando os sapatos, como muitos fazem.

O prenúncio do fim vem pelos sítios dos jornais na Internet. Coisa maravilhosa, confesso. Tomamos conhecimento dos fatos, na medida em que eles acontecem. Atirou no bugio em Tremedal, BA, ele deitou aqui, no mesmo momento. Vapt-vupt. Basta se entrar nos sítios dos jornais, pois o mundo se abre em notícias, seja onde estivermos. Descobre-se que a bolsa caiu, que a Radial Leste e a Marginal Tietê estão congestionadas, e que algum ministro ou secretário foi substituído. Todas são notícias extraordinárias e intempestivas. O lado bom disso tudo é que os viajantes podem manter algum contato com seu lugar de origem, pois praticamente todos os hotéis mantêm serviços de acesso sem fio a Internet. Mesmo quem está em Slavonsky Brod, na Croácia, pode acessar os jornais daqui e descobrir que o centroavante Medonho adora o feijão mexido com rapadura que a sogra da noiva dele tão bem prepara. Lembro-me ainda de uma ocasião em que eu aguardava um vôo, no Aeroporto do Galeão (faz tempo), e encontrei um jornal daqui à venda. Eu lia o tal do jornal, na sala de embarque, quando uma mulher que fazia conexão do Japão para Porto Alegre gritou histericamente, assim que viu o que eu lia. Implorou, para que eu lhe emprestasse a página da coluna social da cidade que ela veria dali a 1h50. Outros tempos. Por outro lado, é divertido comprar jornais impressos em terras estranhas, apesar de estes também estarem disponíveis pela rede. Quanto mais estranha a língua, mais divertido fica. Quem já tentou ler um jornal finlandês, e não é nativo de lá, sabe do que eu estou falando.

Se a coisa ficou ótima para os viajantes, tirou toda a graça de quem curte ler um jornal de verdade, impresso no papel. As árvores que me perdoem, mas o jornal no papel tem outro gosto, apesar de eu nunca ter degustado algum. Os ingleses devem sabê-lo, pois adoram fish and chips – peixes com fritas – embrulhados em jornal. Os grandes chefs britânicos torcem o nariz para The Sun, considerado sensacionalista. Quando abro o jornal pela manhã, tudo o que lá está é matéria velha dos sítios de notícias. Com popularização destes, os jornais impressos tendem a virar revistas de variedades, nas quais se descobre as preferências gastronômicas do Medonho.

Houve época em que os leitores dos sítios de jornais tinham acesso apenas às manchetes. Para ler a notícia toda, só assinando o jornal. Agora tenho notado uma tendência à síntese impressa do que está detalhado no sítio do jornal. Muita gente ainda usa o jornal no banheiro, para lê-lo, além de outro uso menos nobre que deve estar caindo no desuso, graças ao programa Bolsa Sabugo. E aí o cara está lá, concentrado, quando descobre que o cerne da tão esperada notícia está no sítio do jornal na Internet. Apela para o toiletbook? Os toaletes das lojas de conveniências das Autobahnen – auto-estradas alemãs – deverão oferecer serviços de acesso a Internet. Por meio Euro leva-se tampa higienizada, papel higiênico digno das partes íntimas do Ludwig Von Bayern e banda-larga com downloads em altíssima velocidade. Coisas do Velho Mundo.

Nos novos jornais há manchetes que incomodam. O que querem dizer com: “Múmia italiana não tem descendentes vivos”?

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