10.12.08

499,5 - O mercado genérico

Foto: Wikipedia
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O mercado genérico

Por Paulo Heuser

O Osculento andava desaparecido. Ele era um dos mendigos que foram apontados como candidatos à condição de patrimônio mundial da humanidade do Centro – se é que lá pode haver alguma humanidade. Um pessoal da UNESCO veio vê-lo, fez medições, tirou fotos e partiu. Osculento nada tem a ver com ósculos, como poderia se presumir. Esse apelido surgiu quando uma menininha deu de cara com ele e percebeu aquilo que chamava a atenção de todos os que o vêem pela primeira vez: o Osculento usava óculos! Foi o primeiro mendigo da história a usar óculos. Depois, vieram os professores de escolas públicas. A menininha gritou – Ele é osculento! – ao vê-lo, e o apelido pegou.

O empreendedorismo nunca foi o forte do Osculento. Ele passou os últimos anos sentado sob a marquise da farmácia, pois os doentes ficam mais sensíveis e são mais propensos a alcançar algum ajutório. Ele não pedia, mas aceitava. O que vinha, vinha bem. Osculento também não procurava o que ler, a leitura é que vinha a ele. Vez por outra o vento trazia alguma página rasgada de revista ou as folhas de um jornal. Se passava ao seu alcance, ele pegava. Então, fazia jus ao apelido e lia atentamente o que lhe caíra à mão, seja lá o que fosse. Após todos esses anos de mendicância farmacêutica, ele até poderia prescrever. Mas, não. Ele tinha plena consciência de que cada um cumpria seu papel na sociedade. Médicos prescreviam, farmácias vendiam e ele mendigava passivamente. Cada macaco no seu galho. E olhe que ele já se parecia com um macaco, após todos esses anos de labuta em local sujeito às intempéries. Pois, o homem sumiu, e ninguém soube dele por muito tempo.

Na semana passada, o farmacêutico recebeu uma visita. Era um visitante que em nada lembrava o Osculento, apesar de ser o próprio. Antes mendigo, agora empreendedor bem sucedido, o homem surgiu dentro de elegante terno Armani e sapatos Pulo do Gato. A aparência remelenta ficou para trás, e a banguela deu lugar à mobília reluzente. Até os óculos desapareceram, substituídos por lentes de contato. A todos conhecidos que passavam, o farmacêutico mostrava o agora ilustre e aparentemente abonado visitante. Qual seria o segredo? – pergunta que todos se faziam. Ele logo dizia que fora o comercio exterior. Osculento entrou no ramo dos fluidos corpóreos para o mercado norte-americano, após ler uma notícia no jornal que passou voando.

Inicialmente, Osculento investiu no mercado de sangue. Como ninguém queria saber da aparência do doador, ele conseguiu facilmente vender o produto. Porém, era necessário dar um tempo entre coletas, o que limitava a rentabilidade do empreendimento. US$ 50 por doação não chegavam a entusiasmar demais. Então, Osculento descobriu o mercado do sêmen. Havia grande demanda por sêmen, coisa que Osculento não chegou a entender bem. Contudo, mercado é mercado, demanda é demanda. Se ela existia, alguém havia de supri-la. E lá estava Osculento, frente a frente com esse mercado carente de fluidos corpóreos. As primeiras incursões nesse mercado foram infrutíferas, pois então o pessoal importava-se muito com detalhes como a aparência. O material acabou indo para o lixo.

Osculento mostrou-se empreendedor quando criou uma campanha de marketing toda própria. Ele coletou mercadoria dos seus ex-companheiros da rua e comercializou-o como sendo de Johnny Schwarzmiller, um imaginário galã do cinema eslovaco. Mostrou uma foto do Charlton Heston, do tempo dos Dez Mandamentos, e o apresentava como doador. O sêmen genérico fez grande sucesso, e Osculento enriqueceu. Material não falta. Se o mercado apresenta demanda, ele está lá para supri-la. Estranhamente, muitos filhos de Johnny Schwarzmiller usam óculos.


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