26.1.09

499,999 e 3/4 - À espera de uma oportunidade


Foto: Wikipedia
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À espera de uma oportunidade

Por Paulo Heuser

Muitos são pegos de surpresa pela aposentadoria. São atropelados. A data chega, sem que se dêem conta. Outros, mais previdentes, planejam cuidadosamente o seu futuro. Há muito no que pensar. Qual modelo de pijama listrado estará em moda? As pantufas terão orelhas de camundongo? Esses felizardos nem sentem a mudança. No dia D, acordam cedo e vestem o reluzente pijama listrado. A partir de então, deliciam-se olhando pela janela, de segunda à sexta. O que fazem aos sábados e domingos? Não sei, devem descansar.

Quando o dia chegar, estarei preparado. Venho treinando para me tornar um esperador profissional. Sem pijamas, sem pantufas, bem entendido. Esperarei de uniforme. Pensei num modelito básico, feito com tecido listrado cinza e branco, com calças e camisa folgadas. Algo cômodo, como seria de se esperar. Nos pés, nada de orelhas de camundongo. De elefante, quem sabe?

O que me tornará profissional, é a prestação do serviço de espera. Não esperarei por mim, esperarei pelos outros, não, nem pelos outros, esperarei pelos que os outros esperam. A oportunidade surgiu quando escrevi A Vida em Dois Turnos, texto que falou da inconciliável agenda dos usuários e fornecedores de serviços. Tudo acontece em dois turnos, e os usuários vêem-se obrigados a esperar, esperar e esperar. Sem estarem aposentados, na maioria dos casos. Os coitados não têm nem o pijama listrado! O que os não-aposentados não têm, que os aposentados têm? Além do pijama, é claro. É o tempo. Os aposentados têm turnos livres para qualquer gosto. Entrarei nesse nicho de mercado, ainda inexplorado. Prestarei serviços de espera. A coisa funcionará assim: o cliente agendará a visita de algum técnico das prestadoras de serviços, como TV a cabo e telefonia, e vai trabalhar tranqüilo, pois eu estarei lá esperando. Não fumo, não cuspo no chão e não como pão sem prato embaixo. Ou seja, além de esperar, não emporcalharei a casa do cliente.

Serei o mui bastante esperador do cliente. Darei palpites, quando tratarem de orçamentos de reformas, fiscalizarei a qualidade do sinal, quando fizerem manutenções técnicas de TV a cabo. Há um subnicho desse mercado que não passou despercebido. Quantas pessoas adotam animais de estimação para terem alguém lhes esperando em casa? Proverei serviços diferenciados de espera pelos donos da casa solitários. Chegarei à casa do cliente, com alguns minutos de antecedência, e esperarei a chegada dele. Então, abrirei um grande sorriso, dar-lhe-ei as boas-vindas e me despedirei. Ainda avalio o serviço oposto: a despedida do cliente. Chegarei e esperarei o cliente sair, para que ele tenha de quem se despedir. Nada impede a prestação de serviços combinados, como o pacote Despedida-Recepção. Tudo bem baratinho, pois aposentado tem tempo de sobra.

Fiz uma simulação da prestação do serviço de espera profissional pelos provedores de serviços. Como eu precisava mesmo de um serviço de manutenção, deixei um aposentado esperando pelo pessoal que faria os orçamentos. Dos sete profissionais, cujas visitas agendei, quatro não vieram, dois erraram o turno da visita, e o que efetivamente veio recusou-se sequer a orçar a empreitada, pois, nas palavras dele, aquilo daria muito trabalho. Cheguei a pensar em prover serviços de manutenção, depois de aposentado, já que não há quem os faça. Porém, isso me tiraria a condição de aposentado. Melhor esperar.

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