3.2.09

499,999 e 8/9 - Na defesa do ambiente



Foto: Cristina Heuser
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Na defesa do ambiente

Por Paulo Heuser


Se os mais experientes contam com a experiência de vida, como o próprio adjetivo indica, os mais novos têm mais energia, sede de saber e uma memória fresca que tudo armazena. Os jovens sabem de cor e salteado os algoritmos e ábacos que os mais velhos sabem onde e como aplicar. Uns têm a ferramenta, outros sabem utilizá-la. Feliz da corporação que sabe combinar experiência e arrojo, através de um quadro de pessoal que combina essas virtudes.

Lizandro sempre soube o que queria ser quando crescesse. À pergunta, sempre tinha a resposta na ponta da língua: megaempresário. Para tanto, preparou-se muito e estudou tudo que havia a respeito de Economia. Seu histórico escolar faz qualquer professor chorar de emoção. É uma monótona série de As. Lizandro saiu da universidade diretamente para o estágio naquela imensa rede de hipermercados. Ele foi descoberto pelo caçador de cabeças da grande corporação. Após rápida entrevista, deram-lhe uma posição no departamento responsável pela prospecção de novos mercados.

Canabarro tocava aquele setor com um equilibrado jogo entre a cautela e o arrojo. Ele logo percebeu o potencial do jovem imaculado Lizandro. O rapaz nadava no fervilhante caldeirão do entusiasmo de iniciante. Canabarro deu-lhe asas para ver até onde o estagiário iria. Estudou com cuidado a idéia de abrirem pet shops, nas lojas da cadeia, para o banho e a tosa das mascotes dos clientes em compras. Quanto mais tempo os clientes ficassem na loja, maiores seriam as vendas. Alexsandro, o outro estagiário, complementou a idéia. Ele sugeriu que combinassem pet shops com salões de beleza, divididos apenas por uma parede. Compartilhariam a mesma mão-de-obra, pois a atividade seria essencialmente a mesma. Corte e tosa não diferem muito.

Em outro projeto, Lizandro ousou demais. Ele imaginou um carrinho de supermercado com funções de cadeira de dentista. Os clientes fariam revisões dentárias e branqueamento dos dentes enquanto percorreriam os corredores das lojas. O dentista tripularia uma espécie de sidecar invertido, acoplado à lateral do carrinho de compras. Essa idéia foi um pouco além daquilo que Canabarro considerava exeqüível. Além de duvidar de que alguém andaria pelo hipermercado, de boca aberta e com um dentista dependurado ao lado, enquanto escolheria nabos e rabanetes, ele considerou o investimento nos tais dos carrinhos demasiadamente alto. Havia também problemas técnicos, como a assepsia, e outros, de logística. Para isso que Canabarro estava lá. Dependurava lastro nas idéias demasiadamente arrojadas dos estagiários intrépidos.

Uma idéia do Lizandro deixou Canabarro especialmente intrigado. O rapaz sugeria a venda de sacolas ecológicas não-descartáveis, que os clientes trariam a cada visita à loja, em substituição aos sacos plásticos descartáveis e poluentes, como se faz na Europa. Canabarro até entendeu a motivação ecológica, típica dos jovens, mas havia de pensar nos aspectos econômicos. Após uma venda inicial, poucos clientes comprariam novas sacolas ecológicas. Seria um negócio de curtíssimo prazo.

O que Canabarro ignorava, apesar de toda sua experiência, era que nenhum dos clientes se lembraria de retornar as sacolas às lojas, nas próximas compras. As sacolas ficariam esquecidas, em casa, e eles comprariam outras. O próximo passo seria a ecologicamente correta eliminação das sacolas descartáveis. Tudo em nome da natureza.

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