19.3.09

510 - A bolha assassina


Foto: Wikipedia
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A bolha assassina

Por Paulo Heuser


Lembro-me de uma época em que o pessoal começou a fabricar iogurte em casa. Foi coisa de comadres. Uma dava um pequeno amontoado de bactérias para suas vizinhas. As criaturas vinham mergulhadas no leite, no interior de uma pequena xícara. Todos olhavam com incredulidade para aquela massa disforme. Os monstrinhos iam para o interior da geladeira e, voilà, no dia seguinte já haviam se multiplicado perceptivelmente. Iogurte de graça, azedo como nenhum outro, mas, definitivamente iogurte. Adicionavam-lhe açúcar e ele perdia um pouco daquele gosto esquisito de leite fermentado por bactérias.

Após dois ou três dias, a ex-bolinha, então bola, de bactérias já alimentava toda a família no café da manhã. Do netinho ao vovô, todos faziam cara feia e bebiam felizes o seu iogurte natureba. Passados dez dias, a bola de boliche bacteriana já ocupava um balde. O leite passava a ser comprado em quantidades cada vez maiores, pois a coisa bebia cada vez mais. O iogurte passava a integrar as nove refeições diárias da família – as três usuais e as seis novas, criadas para dar conta das quantidades crescentes de iogurte natural. Ninguém ousava pensar em jogar aquilo fora. Afinal, eram centenas de seres vivos!

Após um mês, a família comprava uma vaca e uma geladeira industrial nova. As crianças tentavam vender iogurte para os colegas do colégio, a mãe abria uma lojinha de laticínios na garagem e o resto da família levava baldes de iogurte para doação às instituições de caridade. As portas e janelas iam se fechando, na medida em que passavam, pois ninguém mais podia ouvir falar em iogurte natural, nem queria correr o risco de ser brindado com uma daquelas bolinhas inocentes de bactérias, que logo se transformavam em algo de dimensões planetárias. A lembrança do filme A Bolha Assassina (1958) fazia-se presente. Ninguém falava sobre o assunto, mas a história sempre terminava da mesma forma. Após pesadelos com geladeiras que se abriam, durante a noite, despejando uma enorme massa de bactérias famélicas, alguém da família radicalizava. Voltava, sabe-se lá de onde, ao nascer do dia, empunhando uma pá suja de terra. No café da manhã, silêncio, torradas e café preto. Ninguém ousava tocar no assunto. Nem perguntavam sobre o paradeiro da vaca.

Pois a história se repetiu. Alguém deu um punhadinho de diretores para um senador da República. Ele apressou-se em passar as criaturas adiante. Era ótimo terem seus próprios diretores, alimentados pelo leitinho do povo. Esse punhadinho de diretores logo se transformou numa turba, que se transformou numa legião. Das gavetas e armários do Senado passaram a transbordar diretores. E não há como eliminá-los, pois são centenas de seres vivos!

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1 Comments:

At segunda-feira, 23 março, 2009, Blogger José Elesbán said...

A multiplicação dos diretores é hilária!

 

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