5.3.09

507 - O Terceiro Reinado

Foto: Wikipedia
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O Terceiro Reinado

Por Paulo Heuser


Contam que esta ocorreu na Praça da Alfândega. Em meio àqueles grupos que lá se reúnem, para trocarem conversa fiada, havia verdadeira indignação com o desempenho dos parlamentares do País. A gota d’água foi a eleição do ex-presidente Collor para a presidência da Comissão de Infra-estrutura do Senado. Escaparam da Rainha das ONGs para caírem nas mãos do Caçador de Marajás. Ao cair da noite, no Bar do Jacó, o grupo se reuniu para a hora feliz, e o assunto foi o mesmo. Lá pelas tantas, o Tonhão traduziu o pensamento geral:

- A culpa é do Congresso!

O assentimento foi geral. Até o Perninha rompeu o seu folclórico silêncio e anuiu:

- É verdade!

Tonhão foi além e concluiu:

- A culpa não é somente do Congresso e sim do sistema de governo. Esta república presidencialista dá nisso!

Estabeleceu-se acalorada discussão a respeito da melhor forma de governo. Os parlamentaristas foram arrasados pelo argumento da similaridade entre congresso e parlamento. No fundo, seria a mesma coisa.

- Fazer o quê? – Tonhão soltou um imenso suspiro enquanto fazia sinal ao Jacó para que trouxesse outra cerveja.

- Monarquia! – exclamou Mortiço.

A reação dos demais não foi instantânea, talvez pela surpresa. Ficaram alguns instantes a remoer aquela palavra.

- Isso é coisa de país de velho! – exclamou Tonhão. E sempre tem o parlamento que...

- Monarquia totalitarista! – interrompeu Mortiço.

Novo silêncio. Após digerirem a idéia, e o picadinho trazido pelo Jacó, a maioria começou a vê-la com simpatia, mas não tiveram coragem para concordar.

- Com rei que manda em tudo, pode tudo, quando quer e como quer? – perguntou Tonhão, enquanto polia o caroço de uma azeitona magra.

- É, com rei déspota e totalitarista. Nada pode ser pior que isso que está posto. Vá lá, pode ter um Conselho Real, dos mais chegados, para darem uns pitacos.

- Onde encontraríamos alguém tão brilhante, íntegro e nobre a ponto de se tornar rei?

- Basta um idiota que possa ser mandado pelo Conselho Real. – disse Mortiço.

- O Nestor! – sugeriu Perninha – Ele se referia ao mendigo de plantão da Praça da Alfândega, que caiu nessa vida após ter investido todas as economias da vida em linhas telefônicas para aluguel. Com a queda do monopólio estatal, Nestor viu-se na miséria e ficou desmiolado. Suas frases mais complexas se resumiam a “uh” e “hum”.

Quando Jacó expulsou todos, às 21 horas, já havia ocorrido o Baile do Bar do Jacó – versão inversa do Baile da Ilha Fiscal de 9 de novembro de 1889. Em vez dos 800 kg de camarão, consumiram 800 g de mortadela; em vez das 1200 latas de aspargos, consumiram dois vidros de pepinos; em vez dos 10000 litros de cerveja, bem, consumiram 10000 litros de cerveja; em vez de marcarem o fim do Segundo Reinado, o de D. Pedro II, marcaram o início do Terceiro Reinado, o de Nestor I, o Idiota.

Nestor I, o Idiota, adorou a idéia. Passou de mendigo a rei, e as reuniões com o Conselho Real passaram e ocorrer no Bar do Jacó, rebatizado Palácio Real. A notícia espalhou-se, de bar em bar, e logo o Reino da Alfândega incorporou o Mercado Público e o resto do Centro. A partir daí a coisa espalhou-se como rastilho de pólvora e tomou Brasília. O Rio de Janeiro ansiava pela volta da realeza. Petrópolis transformou-se numa espécie de San Marino sul-americana. Afinal, a antiga família real tinha lá seus direitos.

O reino ia de vento em popa, depois do fechamento do Congresso. Nestor I, o Idiota, cumpria bem seu papel e apenas dizia “uh” e “hum”, enquanto o Conselho Real governava, de fato. Entre rodadas de cerveja e picadinho de mortadela, pepinoe azeitona magra, exaravam as ordens que guiavam o reino.

O cargo acabou subindo à cabeça de Nestor I, o Idiota. Ele quis uma coroa e uma liteira. Perninha tirou de letra e conseguiu o material emprestado de uma escola de samba. Foi muito isopor e remendo. Nestor I, o Idiota, caiu do carro alegórico e repetiu D. Pedro II, quando este tropeçou no Baile da Ilha Fiscal: “O monarca escorregou, mas a monarquia não caiu.”. Ela não caiu, mas mudou. Nestor I, o Idiota, bateu a cabeça, quando caiu, e deixou de ser tão idiota. A pancada fê-lo voltar à consciência. Nestor I, o Idiota, falou algo além de “uh” e “hum”.

A reunião do recém-dissolvido Conselho Real pereceu um velório. Ninguém abria a boca. O picadinho de mortadela e pepino não teve o mesmo sabor. Enquanto Nestor I, o ex-Idiota, discursava sobre um palanque, lá pelos lados do Mercado, Mortiço se lamentou:

- Putz! Vá lá, que proclamasse a república e abdicasse, mas reabrir o congresso e chamar eleições, ah, isso passou dos limites!

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