23.6.09

531 - A cigarra e a formiga

Jean de La Fontaine
Fonte: Wikipedia
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A cigarra e a formiga

Paulo Heuser

Jean de La Fontaine era francês. Era, pois partiu desta para a – presumidamente - melhor em 1695. Ele escreveu, entre outras coisas, a fábula da cigarra e da formiga. Essa, todo mundo conhece. Não há quem não a ouviu. É aquela historinha sobre a cigarra que vivia na gandaia enquanto a formiga se rebentava trabalhando, durante a primavera, o verão e o outono, para estocar alimentos para o inverno. A moral dessa fábula é evidente. O sujeito deve guardar algo para os dias escuros que virão.

José ouviu tal fábula à exaustão, desde o colo da mãe até a FEBEM. Ele teve uma infância comum, como qualquer outro menino. Nasceu na Vila Ronca Tripa, filho de pai viúvo e mãe ignorada, engraxou sapatos na praça, roubou calotas, foi aviãozinho e coroinha. Sua infância não foi fácil, ralou entre o bem e o mal, mas sempre acordou cedo e foi dormir tarde. Trabalho era seu nome. José sabia que só assim poderia guardar algo para os anos da velhice. Aos 18, quando deixou a FEBEM, José abriu sua própria boca-de-fumo. O rapaz era um empreendedor. Fez curso de marketing no Sebrae e inovou, lançou baseado com sabor. Maracujá e abacaxi francês. Foi um estouro.

Do ilícito à remissão, José trocou o crime pela retidão. Rima infame, porém necessária. Ele investiu em música gospel e prosperou. Abriu uma gravadora de fitas cassete, quem se lembra delas? Crente não pirateia, e ele vendeu fitas como água que desce o Jordão. Longe das festas e tentações, ele guardou 40 por cento de tudo que ganhou, pois a fábula da infância deixou sua lembrança. Ele era formiga, não era cigarra. E a cigarra? Tocava viola no planalto.

José foi das fitas aos CDs e DVDs. Já vendia daunlouds quando percebeu que poderia ter um inverno confortável e tranqüilo. Acumulara um bocado de dinheiro junto ao governo. INPS, INSS, ISSQN, ISS, ICMS, IR, II, IPTU, ITR, IOF, IRGA, INCRA, ITBI, ITBM, IPVA, INRI e todos demais is. Contudo, José não queria parar. Ele era uma boa formiga e queria alongar seu outono. Trabalharia até que o inverno se fizesse presente. O que apressou as coisas foi outro i, o infarto. José chegou cedo ao escritório, tomou um café e sentiu uma dor muito intensa, que se estendia do braço ao peito. Enfartou. Pôs pontes e molas. O médico recomendou descanso. Resignado, José reconheceu que o inverno chegara. Era hora de descansar. Ainda bem que ele era formiga e passara a vida guardando. E a cigarra? Bem, Jean de La Fontaine havia se enganado. Ela era um paquiderme, na verdade. Gastou tudo que José amealhou, em farras no planalto, terminando por pisar nele.


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