11.6.09

528 - Sempre às sextas. Às vezes, às quartas.


Foto: Wikipedia
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Sempre às sextas. Às vezes, às quartas

Paulo Heuser

Não era sexta-feira. Era quarta. Porém, a véspera de feriado tinha cara de sexta. Wanderleyson vinha assoviando pelo corredor. Estágio novo e tíquete no bolso, que mais poderia querer da vida? Tênis de marca, boné e sanduicheira elétrica na mão. Ele ia à copa para o primeiro café da manhã.

Se há coisa que Wanderleyson não abre mão, no primeiro café da manhã, essa coisa é um bom hambúrguer. Duas fatias de pão, bife de carne moída, ovo, bacon frito, queijo processado, maionese, ketchup, ervilhas e milho fazem seu desjejum ideal. Melhor do que isso só se for recheado com batata-palha e chips sabor churrasco. Ele entrou na copa e esperou por uma tomada livre. Chegar tarde deu nisso. Todas as tomadas foram ocupadas. Pôs um som no aipode e dançou sozinho, abraçado na sanduicheira.

O cheiro de gordura e queijo queimado impregnava o ambiente. Suas roupas cheiravam a rodízio de fondue. Um a um, os estagiários conectavam suas sanduicheiras, numa espécie de ritual. Kirieleyson exibia seu novo modelo, com MP3 e câmera de 8 megapixels. Chegou a vez do Wanderleyson. Repetiu a cena diária, colocou o hambúrguer na sanduicheira e apoiou-se sobre ela até que a tampa fechou, prensando o hambúrguer. Então, esperou até que o queijo começasse a borbulhar.

Os cinco sentidos de Wanderleyson reduziram-se a dois, audição e olfato. Adorou o fedor maravilhoso de loja de fast food reinante na copa sem janelas, ao som do pagodão no aipode. Assim que a fumaça levantou, pelas bordas da sanduicheira, ele passou a vez ao próximo e sentou-se para comer aquela maravilha acompanhada de uma garrafa PET de refrigerante. Dois litros de água, xarope e gás. Às nove, seria hora do segundo café da manhã, com bolachas recheadas e sem café. O som do aipode impediu que ele ouvisse a conversa ao seu redor. Ele chegou a reparar na agitação do João, o estagiário crente. Por que alguém havia lhe dado tal nome, em vez de algo mais sonoro, como Joylson ou Johnyson? Johnson, até. Os outros estagiários viviam zoando com ele e o apelidaram de Padreco, porque usava um crucifixo, não bebia refrigerante e, o pior, não tinha sanduicheira elétrica nem aipode. Usava os cabelos no melhor estilo tiozão. Ele andava nervoso, de um lado para o outro, segurando uma garrafa térmica e uma cuia de chimarrão. Cutucou o ombro de Wanderleyson, que metia os dentes naquela pilha de camadas de coisas deliciosamente gordurosas. O aipode bombava o pagode preferido do comensal, e ele não dava a mínima para o Padreco. Contudo, o crente parecia possuído, pois o cutucou com mais força no ombro. Wanderleyson tirou o fone da orelha direita a tempo de ouvir o Padreco gritar:

- Esconderam a bomba!

Wanderleyson saltou da cadeira e pôs-se a correr, arrastando sua preciosa sanduicheira elétrica. Venceu os 18 andares em tempo recorde. Quando chegou à rua entendeu, finalmente, por que fazia tanto barulho enquanto descia as escadas. O fio da sua sanduicheira enroscou-se nos de outras oito, algumas ainda com seu conteúdo fumegante. Ele teve de sorrir quando identificou, em meio aos destroços, a razão do exibicionismo do Kirieleyson. Wanderleyson ficou algo ofegante, já que desceu os 18 andares, pela escada, gritando:

- Bomba, bomba!

Sua debandada não passou despercebida, e ele arrastou, além das sanduicheiras, meio prédio atrás de si. A palavra bomba foi repetida, aos berros, em todos os andares por onde passou. Finalmente na rua, estranhou a brisa fria. Sentou-se no meio-fio e pôs-se a pensar. Era um sujeito de sorte. Em apenas um dia, ele salvou sua sanduicheira elétrica, alguns pedaços das outras oito, seu aipode e a vida de centenas de pessoas. Não encontraram bomba no prédio, a não ser a de chimarrão, do Padreco, que Kirieleyson havia escondido no congelador da geladeira do ketchup. Porém, com um assunto desses não se brinca. Na dúvida, foram embora, mesmo sendo 8h37 de uma quarta-feira véspera de feriado.

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