8.6.09

526 - Nosofobia

Imagem: Wikipedia
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Nosofobia

Paulo Heuser

O Zé adoeceu. Parou no hospital. Do mal que o acometeu, nada fala. Segundo uma enfermeira falastrona, foi fruto de uma estranha sucessão de eventos que se iniciaram com a ingestão de uma dose excessiva de purgativos seguida de direção. Já pensam na campanha “Se for dirigir, não purgue!”. Felizmente, nada de mais grave aconteceu. Coincidentemente, no mês passado, o Zé foi sorteado no plano de saúde. Ganhou um upgrade de classe no hospital. E chegou o momento de usufruí-lo.

Zé entrou de primeira classe, no estacionamento vip. Pago, naturalmente. Cadeira de rodas elétrica e estufadinha em couro. Paga, naturalmente. Aquilo sim era hospital, os outros eram apenas míseros nosocômios. O plano Advantage Royal Prize of Disease garantia acomodações à prova de gemidos. Cenas típicas dos nosocômios comuns, como choro pelos corredores, ali não havia.

O que falar do quarto, então? Uma suíte Master Pharaonic não perde nada para as instalações dos melhores hotéis seis estrelas. Lá não há ruído externo, apenas uma suave música de piano bar. A parafernália de equipamentos hospitalares está disfarçada por trás de acabamentos em madeiras finas. Há uma enorme TV que pega quase todos os canais imagináveis. Pagos. Há um gratuito, na verdade, que transmite cenas de emergências médicas.

Apesar do preço elevado dos serviços extras, que eram quase todos, Zé ficou à vontade. Sentiu-se infinitamente melhor, quase se esquecendo de que estava doente. Convalescia no paraíso, cercado de anjos, lindas enfermeiras no mais impecável uniforme branco. Se isso era adoecer, que fosse.

Não havia como experimentar todas as facilidades à disposição em tão pouco tempo de internação. Como teria apenas uma noite no paraíso, iria experimentar da renomada gastronomia do lugar. O restaurante do hospital era limitado aos exclusivíssimos portadores de passes especiais, fornecidos apenas pelos planos de saúde superiores e pelos cartões de crédito topo de linha. Onde mais se poderia jantar agora e ir ao circo no ano que vem? Coisa finíssima, com chef provençal, importado diretamente das Costas do Ródano. Conseguir reserva não seria fácil, mas a conciergerie, portaria metida a besta, seria eficiente. Agendar-lhe-iam para as 21 horas.

O restaurante está lotado. A sugestão do chef é pés e tripas de cabrito em molho provençal. Não há fila, pois só atendem mediante reserva. Zé chega à porta e espera que o homem de fraque a abra. Nada. Fica ali, de pé, sem saber o que fazer. Há alguma senha? Chega um casal, em trajes de noite, que lhe lança um olhar de cima a baixo e pede licença. O homem do fraque lhes abre a porta, sorridente. Zé fica. Por fim, bate levemente à porta, gesto aparentemente ridículo, pois a porta é de vidro. O homem de fraque a abre parcialmente.

- Pois não?

- Boa noite, tenho uma reserva para as 21 horas.

- Lamento, senhor, mas nós exigimos traje mais formal do que o seu.

Zé veste um reluzente pijama listrado em cinza e cinza. Nos pés, suas pantufas preferidas.

- Qual é o problema? Não se pode vir vestido assim?

- Não. O senhor deverá vestir traje formal, condizente com o local. Vestido desse modo parecerá doente!

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1 Comments:

At terça-feira, 09 junho, 2009, Blogger José Elesbán said...

Nosocômio.
Crônicas do Heuser é cultura! :))

 

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