28.4.09

516: Gripe suína e oportunidade


Foto:Wikipedia
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Gripe suína e oportunidade

Paulo Heuser


O Zé sabe que a gripe suína é coisa séria. Ele leu a respeito da gripe espanhola, no almanaque do Xarope Retrobronquil, e logo traçou um paralelo. Só no Brasil a gripe espanhola matou 130 mil pessoas, inclusive o Presidente da República Rodrigues Alves, em 1919. Algo nessa história despertou o empreendedor que estava adormecido dentro do Zé. Ele não sabia que era um empreendedor até fazer um curso de recolocação de desempregados ministrado por uma ONG de um daqueles setores indefinidos.

A gripe espanhola ocorreu ao término da Primeira Guerra Mundial, quando houve grande movimentação de pessoas entre países. Zé logo percebeu que a gripe suína tem capacidade de proliferação muito maior, pois há incontáveis congressos para parlamentares em Cancun. Esta capacidade de proliferação fez com que ele pensasse em uma forma rápida de empreender, já que os seus potenciais clientes não durariam muito. E o relâmpago empreendedor se abateu sobre ele.

Zé já percebeu que o povo acredita piamente no jornal entre novelas da TV. No dia anterior, o locutor havia tranqüilizado os telespectadores, ao afirmar que não havia motivo para pânico. No máximo, para extremo pavor. Mesmo que na Índia aquele pessoal que se veste com cortinas e passa o dia dançando não sabe o que é gripe suína, o povão daqui já sentiu o perigo. O edil vai ao congresso em Cancun e volta com a pereba. Então, a coisa se espalha rápido. O empreendedor escondido no interior do Zé escancarou e teve a idéia de lançar um remédio alternativo contra a nova praga. Dessas coisas naturebas. Havia de ser algo forte, impactante. Além de indianos vestidos em cortinas, o povo gosta de chás amargos, quanto mais amargos, melhor. Ele rebuscou as mais pavorosas recordações, nos porões da infância. Logo lhe veio à memória o digestivo à base de carqueja e pau-pereira que seu avô tomava. Coisa tão amarga que enrugava as tonsilas – então amígdalas. O Zé odiava adoecer. Não porque tinha de ficar em casa. Porque havia de tomar o chá do vovô, que era secretamente misturado à cachaça da renomada marca Juízo Final, vendida após o entardecer naqueles corredores obscuros da Praça da Alfândega. Aquela mistura era medonha por si só, mas ele procurava por algo ainda pior.

Quem teve infância, e freqüentou bares e armazéns das colônias alemãs, tem pesadelos com uma coisa chamada rollmop. Palavrinha fácil, rollmop. O que é um rollmop? O Zé sabe. É difícil descrevê-lo, mas se parece com aquelas cobras e outras coisas nojentas, dentro de vidros de formol, que os colégios chamavam de museu de história natural. Para iniciar um museu desses, bastava um vidro de rollmops. O verdadeiro rollmop escandinavo era feito com arenque. O daqui, mais moderno, é feito com ovo cozido e qualquer peixe repugnante que sobrou da Sexta-Feira da Paixão. A técnica é simples, enrola-se o meio peixe cru no ovo cozido, prendendo-o com um palito, e mergulha-se tudo num líquido turvo de composição indefinida. Uns põem vinagre, outros pinga, outros nem sabem. O resultado é realmente repugnante. E, o que é pior, há quem coma aquilo e goste. Zé sempre teve pesadelos com o bodegueiro abrindo aquele vidro e retirando um rollmop para o vovô. O ruído da tampa de rosca parecia-se com aqueles da abertura de tumbas ou naves espaciais de filmes B antigos. Remexendo seus traumas de infância, Zé produziu um elixir de efeito, à base do chá de carqueja e pau-pereira, pinga Juízo Final, rollmops em conserva e arroz de leite. A quem lhe pergunta, ele responde que o segredo todo está no líquido turvo onde ficam mergulhados os rollmops. Coisa tão feia e tão ruim há de ser boa.

Zé investiu na imagem. Pôs um sujeito com cara de asteca para vender o elixir, em plena praça. Ele acertou. Vende a rodo. Se cura a gripe suína, ninguém sabe. Mas, quem dele provou, descobriu o que é a verdadeira vingança de Moctezuma.

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