Não Verás Brasil, País Para Nenhum Principiante
Publicada na Gazeta do Sul, coluna Opinião, de Santa Cruz do Sul em 10/05/06
http://www.gazetadosul.com.br/default.php?arquivo=_noticia.php&intIdConteudo=53588&intIdEdicao=845
Publicada no sítio do Sinepe-rs
http://www.sinepe-rs.org.br/portal/index.php?session=114&displaylang=pt_br&f_id_artigo=62&f_action=viewNão Verás Brasil, País Para Nenhum Principiante
Minha filha mais nova chegou em casa mostrando sua nova conquista – um título eleitoral zero quilômetro. Pegou o T-5, encarou a fila no TRE e saiu de lá habilitada a escolher, na proporção do seu voto, o futuro do Brasil Após cumprimentá-la, por mais um passo dado em direção ao exercício da cidadania, afundei na poltrona, talvez por esta estar velha e eu gordo, talvez pelo peso resultante do desequilíbrio entre os deveres e direitos que compõe a cidadania. Fiquei tentado a lhe dar dois livros para ler. O primeiro, de fácil e gostosa leitura, é Brasil Para Principiantes (1961), de Peter Kellemen. Este, lí na minha adolescência. Trata-se de uma visão cômica do Brasil daquela época, escrita por um jornalista estrangeiro, morando no Rio de Janeiro, então capital do País. Numa passagem especialmente divertida, a respeito da dificuldade de tomar um trem da Central, ele narra que os americanos teriam treinado suas tropas, para a Invasão da Normandia, fazendo com que tentassem embarcar na hora de pico. Retrata, em forma de crônicas, um Brasil de contrastes, como o de hoje, mas sem apresentar de forma tão evidente o resultado da segunda pior distribuição de renda do planeta. Está bem, estou sendo injusto. A pesquisa só considerou 130 países. Quem sabe Burkina Faso não é bem pior? Serra Leoa que se cuide, chegaremos lá! Voltando ao livro, percebemos que muito do que lá está, aqui continua. O outro livro faz com que clássicos de Hermann Hesse, ou Nada de Novo no Front, de Erich Maria Remarque, pareçam contos dos Irmãos Grimm. É o livro de leitura mais pesada, angustiante e sufocante que já li: Não Verás País Nenhum (1982), de Ignácio de Loyola Brandão. De cabo a rabo envolve o leitor numa trama de ficção, passada num Brasil futuro, que não tem futuro, seja nos aspectos ambientais como nos socioeconômicos (agora é moda escrever essa monstruosidade sem hífen). Aparentemente tentamos desesperadamente tornar realidade aquela ficção. Lembro bem do Milagre Brasileiro, até 1970, creio eu. A partir daí começamos a descer a ladeira, numa interminável sucessão de tombos, nos levantando apenas para cair um tombo maior. Parece o pesadelo do buraco sem fundo. Aí por 1972, ouvíamos o ministro da fazenda, ou qualquer coisa parecida, afirmando que este seria um ano difícil, mas o próximo seria de retomada. Estamos em 2006, a retomada ainda não ocorreu, o ministro ainda não morreu. Continuamos descendo a ladeira – próxima parada: Serra Leoa. Talvez passaremos, sem parar na próxima estação, céleres rumo a Burkina Faso. Tento apagar a imagem do povo na rua, empunhando estandartes diversos, eufórico, quando da morte de Tancredo, a Constituinte de 88, toda aquela gente jogando papel picado para cima enquanto sapateava sobre nossa cabeça, cara-pintadas, caçadores de marajás, saque da nossa grana (o marajá era eu?), caçadores de caçadores de marajás, onde isso vai parar? Democracia finalmente. Oba! O poder emana do povo e todos roubam, mas como são todos, não é roubo, vício contábil talvez. Sim, tomaremos enérgicas medidas contra os dois que, feito galos de rinha, ousaram transformar pequenos e insignificantes vícios contábeis num escândalo sem precedentes. A ética tem de acompanhar os novos tempos, uns ajustes a cada 15 minutos tornam tudo ético, sob a nova ética. Sonegar virou aproveitar oportunidade de minimização da despesa fiscal. Criar novos impostos virou forma de distribuir renda, a da classe média. Depois que se descobriu que é possível vender às classes D e E, em 97 prestações, hipotecando a aposentadoria do vovô, ou a pensão da vovó, a classe média virou supérflua. Ainda por cima perigosa, afinal a burguesia tem a péssima mania de iniciar revoluções. Luiz XVI que o diga. Será que ninguém percebe que os filhos desta Mãe Gentil estão, quando o podem, emigrando para outras mães, talvez mais gentis? Abro o jornal, na tentativa de afugentar velhos fantasmas. Deparo com uma foto do rei morto, amparado pela rainha. Bem, olhando melhor, parece mais um candidato a candidato decretando a morte da própria candidatura.
Vá minha filha, vote, vote com razão, vote com o coração, és a esperança de que este buraco tenha finalmente um fim.
Paulo Roberto Heuser
3 Comments:
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