8.8.06

Ações Afirmativas

Publicado na Gazeta do Sul, coluna opinião, em 10/08/2006:
Ações Afirmativas

Por Paulo Heuser

Sistema de cotas. Aí está um assunto polêmico. É um assunto muito complexo socialmente, politicamente e juridicamente. Já li diversos trabalhos escritos por pesquisadores nessas áreas que apenas aumentaram a certeza quanto à complexidade.
A discriminação positiva - ou ação afirmativa - está longe de ser um consenso. Alguns setores alegam que o sistema de cotas ataca o efeito da discriminação, não sua causa. Os simpatizantes do sistema de cotas raciais alegam que a inclusão social, pelo acesso ao ensino superior, acabará por erradicar as causas da discriminação racial.
Outros entendem que a discriminação positiva deve contemplar primordialmente o aspecto socioeconômico. A própria interpretação jurídica é bastante diversa. Enquanto alguns se prendem à interpretação literal dos artigos constitucionais, outros procuram interpretar o texto constitucional de uma forma mais subjetiva, com ênfase nos verbos, ou nas ações daí provenientes.
Por tudo que li, este assunto não se esgotará tão cedo. Ao tentar formar uma opinião fundamentada em um processo mais consistente, acabei percebendo algumas coisas.
Curiosamente já praticamos ações afirmativas sem nos dar conta disto. Uma forma de discriminação citada em alguns textos é a especista (por espécie). Falando mais claramente, privilegiamos algumas espécies de seres vivos, notadamente àquelas em extinção. Veio à lembrança um episódio vivido pela minha família, em um algum julho passado, na praia de Bombinhas, SC.
Estávamos passeando pela Prainha, praticamente deserta, não fosse pela presença de um pingüim. Parado na areia, de costas para o mar, o dito cujo estava inerte, provavelmente exausto pela viagem que realizara. Pensamos imediatamente em ligar para o Ibama. Qual seria o telefone de emergência? Um sujeito sentado no alpendre de um bar, notando nossa agitação, recomendou que deixássemos a natureza seguir seu curso. O bicho morreria mesmo.
Indignados com tamanha falta de sensibilidade ecológica, nos dirigimos à operadora de mergulho mais próxima. Mergulhadores têm uma consciência ecológica muito desenvolvida, pelo menos nos cursos e discursos. O atendente ouviu nosso relato e, constrangido, indagou: - vocês são gaúchos, não são? Não apenas o sotaque nos denunciara. A preocupação com o pingüim também. O sujeito confessou que lá não havia serviço que pudesse ser acionado para salvar o animal. Seria coisa de gaúcho. Estávamos inconscientemente praticando uma ação afirmativa. Que provavelmente não praticaríamos se o animal fosse um cão sarnento ou uma vaca a estrebuchar.
Vejo que não apenas os gaúchos praticam a discriminação positiva especista. Os mineiros inovam na preservação de outras espécies, talvez pela falta de praias que permitam a chegada dos pingüins. Lá surge um sistema de cotas que privilegia outros filos zoológicos, como o dos Anelídeos da classe Hirudínea. Popularmente são conhecidos como sanguessugas.
Em Governador Valadares a preocupação foi tanta que no domingo passado chegaram a construir um viveiro especial separado do viveiro das outras espécies. Haveria risco de desabamento do viveiro único, pelo peso das sanguessugas. Estes anelídeos estão ligados à saúde humana desde a Idade Média, quando foram utilizados nas sangrias dos pacientes da nobreza.
Nos dias de hoje a relação permanece, alterou-se apenas a classe socioeconômica dos pacientes. Agora as sanguessugas sugam o sangue dos pobres.

E-mail: prheuser@gmail.com

1 Comments:

At quarta-feira, 09 agosto, 2006, Anonymous Anônimo said...

assunto polêmico mesmo. gostei a forma da abordagem! =) e dos anelídeos também!

 

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