6.8.06

Ex-fumantes

Ex-fumantes

Lê-se muito a respeito da proibição do fumo nos locais públicos e dos malefícios trazidos pelo hábito – ou vício – de fumar. Nada vejo a respeito do que acontece após a interrupção do hábito. É isto mesmo, você pára de fumar depois de anos ouvindo conselhos, sermões e xingamentos e nada. Nada, ninguém nota, ninguém vê. Afinal, era sua obrigação mesmo. Parei de contar os dias, meses e anos que se passaram após meu último cigarro. Parei de contar decorridos dez anos. Portanto, posso me considerar um ex-fumante.
Utilizei uma técnica singela para deixar de fumar. Deixei de fumar. Pensei em escrever um best-seller (senão não valeria a pena, não?) sobre a técnica. Seria um livro enxuto, como a técnica. Iniciaria com um prefácio de xiii páginas, seguido de oito páginas com agradecimentos e dedicatórias, índice, a página contendo a técnica propriamente dita e, finalmente, um interessante apêndice com os rótulos dos cigarros que fumei. Coisa para ler em uma só viagem, de elevador. Os benefícios diretos à saúde decorrentes do fim do tabagismo são todos aqueles que aparecem diariamente na mídia, espero eu. Há outros, menos ou nada mencionados.
O primeiro é a liberdade. Quem fuma sabe que certos na vida só os impostos (aqui sonegados), a morte e a falta de cigarros nas festas. Quem fuma menos de um maço de cigarros por dia pode até levar dois ou três maços de reserva às festas. De nada adianta - depois de algumas horas os cigarros somem. Se você não fumá-los todos, outros farão. No auge da festa serão vistas elegantes damas pegando disfarçadamente as maiores baganas e sumindo no toalete. O vício é cruel.
O ex-fumante de um dia já se insere imediatamente na casta dos aceitos em todos os locais, para fumantes e não-fumantes. A não ser que não tenha trocado de roupa ou deixou de tomar banho após a festa. Os ex-fumantes toleram bem os fumantes porque conseguem entendê-los. Os que nunca fumaram são os mais intolerantes, com razão. Na ótica do ex-fumante, o fumante é uma pessoa que sofre da mesma doença que já lhe acometera, da qual ficou curado, com mais ou menos seqüelas. O virgem de pulmão encara o fumante como uma chaga social, a erradicar-se o mais breve possível, devendo ser segregada como os doentes contagiosos.
O que me levou a pensar nisso tudo foi o ocorrido no Bar Tuim, em Porto Alegre, autoproclamado bar apenas para fumantes. Estive lá apenas uma vez. Faz tanto tempo que provavelmente eu ainda fumava naquela época. O cigarro estava intestinado em locais como aquele. Lembrei-me também do Bar Brahma, na esquina da Ipiranga com a São João, em São Paulo, anexo ao restaurante de mesmo nome. Reduto da boemia, desde os anos 50, era outro local cheio de fumaça. No mezanino, ao lado do piano, não se enxergava a mesa ao lado, de tanta fumaça. O que poderia ser uma vantagem, a partir de certo horário. Três músicos realmente idosos tocando piano, violino e violoncelo no restaurante emprestavam um ar aristocrático àquele local, mesmo na decadência do Centro de São Paulo.
Nessa época o inferno tabagista era o avião. Podia-se fumar durante quase todo o vôo. Nem os fumantes agüentavam aquilo. O recolher do trem de pouso e o apagar dos avisos de não fumar ocorriam quase ao mesmo tempo. Havia pessoas que comiam e fumavam ao mesmo tempo. Mastigavam soltando fumaça. Como ainda ocorre nos locais públicos do Primeiro Mundo. É o charme francês do fedorão de um Gitanes.
A única desvantagem que encontrei ao me tornar um ex-fumante é a falta de fósforos. Os fumantes salvam aqueles churrascos no meio do mato. E acendem as velas durante apagões.
Entre as ciganas não deve haver ex-fumantes. Quando cruzo com elas continuo ouvindo o eterno pedido: “me dá um cigarro, bonito?”. Será que elas não percebem que o bonito parou?
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E-mail: prheuser@gmail.com

1 Comments:

At domingo, 06 agosto, 2006, Anonymous Anônimo said...

Parabéns pelo texo. Muito bem escrito e interessantíssimo.
Sou um ex-fumante também e, após um ano e dois meses sem fumar estou passando uma pequena crise de abstinência que já está quase controlada.
ruben@rdm.adv.br

 

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