1.8.06

(Trans)formações

(Trans)formações

Por Paulo Heuser

Desde 01/08/2006 todos produtos alimentícios devem trazer a sua composição de gorduras impressa na embalagem. O vilão do momento é a gordura trans. Repentinamente somos obrigados a conhecer Bioquímica. Do pouco que me lembro da Química, trans e cis são arranjos na estrutura das moléculas. A partir daí morreu o Neves. Por que o cis é bom e o trans é ruim à saúde? Sei lá. Apenas sei que devo evitar os produtos que contêm gordura trans. Não devo ingerir mais do que 2g por dia. Preferencialmente, zero.
Passarei a carregar uma agenda do consumo de componentes químicos na minha alimentação. E vou indagar – ao garçom? – o quanto dessas coisas estou comendo no almoço. Ocorreu-me agora que poderemos ter os bufês por grama (o peso, não a salada) e, até, por miligrama. Seu prato é varrido por um analisador de substâncias que emite a comanda discriminada por informação nutricional. O preço varia conforme a quantidade de gorduras benéficas. Os AGEs – Ácidos Graxos Essenciais (cis) oneram sua conta. As gorduras trans derrubam o preço. Encha-se de batatas fritas. Sairá bem baratinho.
O que talvez pouca gente percebe é que estamos entregues às grandes industrias de alimentos processados. Ingerimos margarinas porque a TV disse que morreríamos antes comendo manteiga. Agora descobrimos que morremos tão ou mais rapidamente comendo a margarina. Os mesmos cientistas de jaleco que apareceram no programa de domingo na TV detonando com a manteiga agora aparecem no mesmo programa de domingo detonado com a margarina. Em comum três coisas. O jaleco branco, o tom de Hecatombe alimentar e as frases iniciadas por “Well,” (Bem,). Sempre iniciam por uél-vírgula. Aparentam inteligência e seriedade. Polissaturados estamos nós, de ouvir informações científicas conflitantes a respeito do que devemos comer. Os uél-vírgula de universidades americanas diferentes, patrocinados por laboratórios diferentes, entram em contradição.
Deixamos de comer ovos. Ovos matavam depois dos 40. Agora alguém diz que morreremos antes se não comermos ovos, com alguma freqüência. Está certo que os ovos atuais não ajudam muito. Têm gemas pálidas e pouco gosto. Ainda guardo um porta-ovos que usava na infância. Daqueles para comer ovos meio moles, com colher, tirando a tampinha. Não há ovo vendido em supermercado que caiba hoje em dia ali dentro. Sobra ovo em todas as dimensões. Fermentaram os ovos.
Do jeito que a coisa está indo, teremos de implantar chips sob a pele, ou em lugares piores, para manter o registro do que foi ingerido até o momento. Assim você entrará no restaurante e já receberá aquilo que está exatamente na moda, naquele momento. As geladeiras vendidas em shoppings já estarão equipadas com uma interface que lê o chip e deixa você retirar apenas o que convém. Convém para quem?
A maior armadilha foi preparada para os nossos filhos. Os coitados ingeriram toda espécie de compostos artificialmente produzidos, nos salgadinhos de pacote, nas bolachas recheadas e nos fast foods. Aquelas se chamavam amanteigados, até a geração anterior. E tinham gosto de alguma coisa.
Outro dia conversei no supermercado com uma pessoa que descobrira ser alérgica aos corantes C-qualquer-coisa. Lia cada embalagem de produto para verificar se poderia consumi-lo. Saiu de lá com alface e papel higiênico. Em casa ainda podemos manter algum controle sobre o que ingerimos. E nos restaurantes, como fica? Lá o que determina a escolha dos insumos é o preço.
Hoje tomei uma decisão drástica. A partir de 01/08/2006 passarei a comer apenas pinhões! Alguém já ouviu falar de pinhões transgênicos, trans, hidrogenados, enriquecidos ou inorgânicos?
Pensando melhor, o pinhão apenas não tem muita graça. Uma passadinha bem rápida na manteiga não deve fazer mal.

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