Cadê o Meu Sorvete?
Cadê o Meu Sorvete?
Por Paulo Heuser
Adoro sorvete, desde criança. Tentei encontrar a origem do sorvete. A maioria dos relatos aponta para a China, há três mil anos. Fiquei imaginando como fabricavam o gelo. O idiota aqui não sabia que traziam neve das montanhas e a misturavam com sucos de frutas e mel. Outras versões informam que misturavam leite(?) de arroz.
Na minha cidade natal não havia neve. Creio que compraram um iceberg. Os picolés cilíndricos tinham cores fantásticas quando comprados. Bastava uma sugada e restava apenas um bloco de gelo espetado no palito. Chupá-los exigia técnica. Devíamos apreciá-los lentamente, para não sugar todo o capilé de uma só vez. Por outro lado, suficientemente rápido para evitar que derretessem antes.
Os picolés eram tão baratos que dávamos várias voltas na quadra do bar que os vendia, no dia da mesada. Em cada volta se ia um picolé de capilé. Chegávamos em casa com os beiços e a língua multicolores. Bem como a camiseta. O mais interessante nesses picolés era o sabor padronizado. De olhos fechados todos sabores tinham exatamente o mesmo sabor, variava a cor. A cor intensa tornava o de framboesa o mais atraente.
Os sorvetes cremosos eram bem mais caros. O de 500 (Cruzeiros?) - era imenso. Matava toda mesada numa tacada só. Melhor não exagerar, um de 250 já bastava. Numa volta do colégio, nos tempos do primário – atual fundamental -, um caminhão perdeu uma enorme caixa de papelão. O caminhão seguiu seu caminho em meio aos buracos e a poeira. A pirralhada ficou muda olhando para aquela caixa misteriosa, durante uns dois segundos. Logo descobrimos o que a caixa continha: casquinhas de sorvete, centenas delas. Foi o primeiro festival do sorvete sem sorvete. Todos ficaram empanturrados com casquinhas de sorvete. Naquele dia sobrou muito almoço. E muita mochila cheia.
O sorvete começou a aparecer entre as sobremesas dos bufês de almoço no Centro faz alguns anos. Tortas de sorvete maravilhosas, com calda de caramelo. Havia um restaurante na Sete de Setembro que tinha a melhor. Comia uma folha de alface e um tomate cereja para deixar lugar para a torta de sorvete, repetida. O restaurante fechou, mas a moda da torta de sorvete se espalhou pelo Centro.
Como a humanidade não para de evoluir, seus produtos não param de regredir. Minimizando custos, inventaram um sorvete que tem cara de sorvete, cor de sorvete, mas não é sorvete nem tem gosto de sorvete, assim creio. De longe engana bem. Até o momento de servir. É leve, mole e estica, se parece com, com... gosma. Não tive coragem de prová-la. Se tiver o sabor compatível com a consistência e a aparência, com certeza terá sabor de isopor gosmento. Também não é gelada, gosma morna mesmo. Espertamente, removeram a plaquinha que antes indicava ser sorvete.
A combinação gosma - casquinhas do caminhão cambaleante formaria um conjunto bem harmônico, já que a casquinha clássica tem gosto de isopor sólido. Imagino que a comida dos astronautas deva ser mais ou menos assim. Schluuuurp (Chluuuurp alemão), numa sugada foi tudo. Depois o infeliz descobre o que comeu, lendo na embalagem: Crème Glacée du Styrofoam – sorvete de isopor.
Já há restaurantes que estão servindo gosma em dois ou três sabores (ou cores?) diferentes. Os tons de lilás-forro-de-caixão estão predominando. Talvez sejam os de sabor uva-metálica. Verde-água e rosa antigo também aparecem bastante. Creio que são os de kiwi verde e goiaba verde, respectivamente. Esta última seria a coisa mais adstringente com a qual a natureza nos brindou. A boca vira ao avesso e os dentes encolhem.
Por via das dúvidas, almocei um sandubão trazido de casa, sem sobremesa. Olhando dentro, descubro do que foi feito.
E-mail: prheuser@gmail.com
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