21.8.06

Eremitas Urbanos

Eremitas Urbanos

Todo ermitão tem uma mascote. Pode ser um cão, um pássaro, até mesmo os seres menos usuais como ursos, cobras e aranhas. Não está fácil encontrar um ermitão. Além da própria dificuldade de encontrá-los, já que não querem contato com os da sua espécie, há o problema técnico-geográfico. Com a nossa densidade demográfica fica complicado esconder alguém aqui. Talvez por esta razão só encontramos ermitões nos filmes rodados no Canadá.

Dois segmentos de mercado investem pesado para tentar localizar esse filão ainda virgem do mercado. Os fabricantes de aparelhos de barba tentam localizá-los faz muito. As operadoras de telefonia móvel celular também estão firmes nessa corrida. Seriam clientes perfeitos. Após a aquisição, não teriam como ligar para ninguém, nem para a central de atendimento ao consumidor. Nem quereriam mesmo. Neste mundo das convergências, as empresas já se uniram e pensam em lançar o kit composto de aparelho telefônico e lâmina de barbear, ambos descartáveis. Tecnologia existe, persistem apenas os problemas da abordagem e da cobrança. Envolvem certo risco à saúde. Especialmente quando a mascote é o urso.

Olhando ao redor, para a nossa sociedade, até dá para entender o que leva um sujeito a se enfiar sozinho no meio do nada. Lá é necessário lutar apenas contra a natureza. Vida mansa contra a nossa.

Creio que quase todo mundo, em algum momento da vida, gostaria de poder ficar um pouco sozinho. Sei que há os que não querem e, mesmo assim, são bem sucedidos. Não me refiro a estes.

Não vale tentar ficar sozinho dentro de casa, quando não se mora sozinho. Ali é impossível alguém ficar sozinho. O lugar mais provável para alguns momentos de solidão seria o banheiro, pois lá podemos nos chavear sem questionamentos. Ninguém indaga o porquê de se trancar no banheiro. Há razões, em todos estados da matéria, para que a pergunta não seja feita. Certo, fisicamente pode-se ficar sozinho ali. Em espírito nunca. Inúmeras formas de interrupção da concentração podem se apresentar. Desde o "tem gente?", até o "paieeeê, a mulher do Banco da Mauritânia quer falar com você!", passando pelo "terminou o papel no outro banheiro".

Já vi telefone instalado dentro do banheiro de um hotel, ao lado do adivinhe-o-quê? O que esperam avisar ao hóspede enquanto ele está sentado ali?

– Alô? É do 1014? Gostaríamos de informar que há um incêndio no hotel. Por favor, largue tudo e corra para a saída mais próxima! Alguém espera que se utilize um telefone que já foi utilizado por outras pessoas, ali?

No meu tempo de infância chamavam o vaso sanitário de patente. A imaginação corria solta quando via algum produto cuja embalagem trazia a inscrição "Patente Requerida". Não dizia com que urgência, ou melhor, premência.

Há quem tente escalar montanhas, sozinho, para curtir alguns momentos de solidão. Ao atingir o cume, corre o risco de descobrir que a Top Mountain Jazigos faz uma promoção in loco. Voar sozinho pode isolá-lo um pouco do resto do mundo, conquanto que você seja um piloto. Mergulhar sozinho é proibido. A não ser que você pretenda fazer parte da imensidão azul, literalmente. Além do risco inerente ao mergulho em si, há o risco de se descobrir que a Escort Divers está investindo no segmento de acompanhantes submarinas por demanda.

Há apenas duas formas de você conseguir alguns momentos da mais pura solidão: emigre para o território Nunavut, Norte do Canadá, e adote um urso.

Ou esqueça-se do celular em casa.

E-mail: prheuser@gmail.com