Palavras Incômodas
Palavras Incômodas
Por Paulo Heuser
Tenho consciência de que nossa língua está viva, palavras tornam-se obsoletas enquanto novas surgem. Trata-se de um sistema dinâmico. Certos neologismos me incomodam, no entanto. Incomoda também o uso impróprio de palavras pré-existentes.
Vamos tomar o exemplo da palavra massivo. Evidente anglicismo (massive) derivado de um galicismo (massif), este para o inglês. A existência da palavra maciço, que traduz exatamente o que se pretende comunicar, torna o uso de massivo desnecessário e inconveniente. Sempre que a leio me vem à mente um prato de macarrão. Criaremos novas palavras quando não houver outras utilizáveis.
Imagino bem a origem desse barbarismo. Quando as consultorias internacionais de gestão invadiram o Brasil, a partir da década de 70, toneladas de materiais foram traduzidas às pressas, inclusive por especialistas em gestão com pouco conhecimento da língua portuguesa. Os estrangeirismos também emprestavam um ar de coisa culta à matéria. Um Case não é muito mais charmoso do que um estudo de caso? Aquele custa muito mais.
A partir da década de 80, fomos bombardeados com a palavra paradigma, antes confinada aos meios filosóficos e sociológicos. Não se trata de um neologismo. Está mais para a generalização apressada no uso de um termo de significado bastante complexo. Thomas Kuhn em A estrutura das revoluções científicas (1962) definiu paradigma como uma constelação de conceitos, valores, percepções e práticas, adotados por uma comunidade. Em última instância, define a maneira como uma sociedade se organiza e se relaciona com o mundo ao seu redor. A amplitude do termo nem sempre é assimilada por quem o utiliza.
O sofisma que daí surgiu apregoa a necessidade de maximização da receita com minimização do custo. Esqueceu de outras variáveis como a manutenção dos clientes.
Thomas Kuhn foi um físico. Percebeu que os grandes progressos da ciência davam-se nas transformações geradas pela quebra de paradigma em função de teorias como as de Copérnico, Einstein, Darwin, Planck, Freud e outros.
A expressão “quebra de paradigma” traduz a ruptura de um sistema aceito e institucionalizado para a adoção de um novo sistema, o novo paradigma. Geralmente fica oculta ou disfarçada a incompatibilidade entre o paradigma anterior e o atual. Trata-se de um arrasa-quarteirão. Muitos dos programas de demissões voluntárias não objetivam apenas a redução de custos. Fazem parte da quebra de paradigma, removendo os maiores obstáculos (pessoas) à implementação de uma nova ordem.
Alguns aspectos da quebra de paradigmas merecem maior consideração. Paradigmas são sistemas não-lineares (caóticos). Trocando em miúdos, ao alterarmos o valor de uma ou mais variáveis que os compõe – muitas neste caso -, o resultado pode ser difícil de se prever, por vezes surpreendente, em função da imprecisão dos nossos meios para medi-los. Os acionistas de uma grande montadora norte-americana já devem ter percebido o que é um sistema caótico.
Vale lembrar também que a reconstrução do apartamento 1014 do bloco B do quarteirão que foi arrasado não pode ser levada a cabo sem a reconstrução de todos que vêm abaixo. Não há volta. Não há arrependimento.
Isto pode parecer um discurso retrógrado à luz das teorias administrativas dos últimos 40 anos. Talvez seja, quem sabe? Como se criam valores, da noite para o dia? Como se constrói uma marca? O que sustenta uma marca? Qual é o valor da sua marca?
É obvio que a quebra de paradigmas se faz necessária ao desenvolvimento das ciências, inclusive administrativas. Temerária é a utilização da palavra ou, muito pior, a prática do método sem a percepção do seu amplo significado. Certo, sempre poderemos pedir emprego numa montadora japonesa.
Hoje percebi que outra palavra que me incomoda é a ética. Ouvindo a propaganda eleitoral obrigatória no rádio do carro, percebo que ética é a palavra da moda. Foi repetida à exaustão. Ética tem relação direta com a moral, o tempo e o espaço. Qual será a ética deles? Quando alguém defendeu a quebra dos paradigmas da ética, estremeci.
Pensando melhor, se a ética deles, que parece ser tão diferente da minha, for um sistema caótico, deveríamos tentar. Ou cura, ou mata.
E, metaforicamente falando, sempre poderemos pedir emprego numa montadora japonesa.
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