15.8.06

Algo Sobre Nada

Algo Sobre Nada

Por Paulo Heuser

Desafiado a escrever uma página sobre nada, sentei pensando em como se poderia escrever algo, ou muito no caso, sobre nada. Uma primeira providência lógica seria aumentar o tamanho do tipo para 72. Não, não posso passar de 12. É uma condição inicial, definida como pétrea. Pior, tenho apenas cinco minutos para preencher esta página com algo que tenha alguma coerência no conteúdo. Nada escrever sobre nada ou sobre tudo é fácil. A recíproca não é sempre verdadeira. Creio que meu maior limitante atual seja o tempo. Nele vou me concentrar primeiro. Consegui aumentar para 10 minutos, já que provei ser impossível escrever em 5, mesmo que seja sobre nada. Nada, num conceito mais amplo, é algo muito grande, podendo tender ao infinito. Para podermos definir as dimensões de nada precisamos estabelecer um sistema de orientação espacial. Afinal, para ter uma noção do início e do fim, antes precisamos estabelecer onde estamos, no nada. Em um sistema cartesiano em três dimensões poderíamos definir nossa posição atual como sendo um conjunto de pontos (x,y,z), todos indeterminados, já que não temos referencial algum de posição. Assim, as coordenadas cartesianas das posições limítrofes do nosso sistema ficariam também indeterminadas, visto que somaríamos deslocamentos a indeterminações. Assim, a única certeza que temos no momento é a certeza de não saber onde estamos. Como não há referencial, esta situação é perene, a não ser que algo aconteça. Como poderá algo acontecer se nada há para ser agente ou paciente de alguma ação que provoque o aparecimento de algo no nosso espaço? Não pode ser tentada correlação com o início do Universo, quando tempo e espaço não existiam. Na nossa situação atual, nem a singularidade existe. Esta poderia criar o nada, mas não o fez, já que havia energia potencial. Não podemos nos interpretar como um poço infinito de energia potencial, a não ser que acreditemos que o nada possui energia, a Energia do Nada. Como aparentemente esta energia possui valor nulo, se existir, continuamos com um poço de energia potencial nulo, o que em nada altera nossa situação, tanto de posição como temporal. Também nada podemos afirmar sobre nada, visto que não conseguimos escolher nenhum sistema de medidas. Nada no SI - Sistema Internacional parece adequado para medir a quantidade ou as dimensões do nada. Outro problema grande a superar é a estatística referente aos experimentos com nada. Os resultados poderão ser invalidados, tornando-se, portanto, nulos, se não conseguirmos determinar a incerteza da medição, já que provavelmente vamos nos deparar com indeterminações durante os cálculos. O tamanho das amostras também representa problema importante. Qual será a quantidade de nada necessária para se fazer boas estimativas de tamanho do todo, nada no caso? Certamente deveremos deixar a estatística determinística de lado, pelas constantes indeterminações. A estatística estocástica também não parece válida. Como vamos determinar os tamanhos das populações de nada, considerado um nada maior? A própria noção de nada maior poderá se invalidar pela impossibilidade de comparar um nada com outro. Já vimos anteriormente que, sem um sistema de referências espaciais, é impossível determinar tanto a nossa posição como os limites do nada principal. O que dizer então dos nadas parciais? Nada podemos afirmar. Temos apenas a certeza da indeterminação posicional dos mesmos em relação a nós e a si mesmos. Nada também indica quanto tempo é possível raciocinar em círculos de raio infinito a fim de gerar mais texto sobre a ausência de algo para se escrever sobre. Após um tempo ainda indeterminado, a capacidade do cérebro humano de gerar lixo sobre nada começa a apresentar disfunção, dando uma falsa impressão de que se escreve sobre algo que não nos levará a lugar nenhum, considerando que também não saímos nem estamos em lugar nenhum. Os últimos minutos, medida inconsistente na nossa situação atual, tem sido especialmente penosos – referentes à dor, não às galinhas. Feito. Consegui. Só não sei como parar agora.
Em qual direção fica o toalete? Haverá um toalete aqui?

E-mail: prheuser@gmail.com

N.A.: Não distribuirei este texto. Ninguém merece o suplício de lê-lo.