17.8.06

Pay Per View Socializado

Pay Per View Socializado

Por Paulo Heuser

PPV não é a sigla de um partido. Poderia ser a do Partido dos Pobres Votantes, mas não é. Trata-se de Pay Per View – pague por exibição. PPV é coisa das elites, que podem pagar pelas TVs por assinatura? Ledo engano, o PPV já existe há muito nos canais abertos. É sazonal, é verdade. O serviço está disponível de dois em dois anos, nos meses de agosto a novembro, nos canais abertos.
É o PPVS – Pay Per View Socializado – pago por todos os eleitores e não eleitores, já que o ressarcimento aos meios de comunicação se faz através da renúncia fiscal de R$ 191 milhões por campanha. Considerada uma massa de eleitores de 122 milhões, chegamos ao valor de R$ 1,87 por eleitor ou pouco mais de R$ 1,00 por habitante. Muito aquém dos R$ 7,00 cobrados pelos canais de TV por assinatura, onde você pode assistir ao filme apenas uma vez.
Com o PPVS você compra todo o pacote da temporada por apenas R$ 1,87. É um pouco monótono, é verdade, mudam apenas os personagens, o enredo, inexistente, é sempre o mesmo. Mas, já que o pacote está pago mesmo, vamos a vê-lo.
Os horários de inserção dos PPVS televisados são estratégicos. Sempre próximos a algum ópio do povo. Geralmente estão colocados entre o jornal e a novela onde todas as casas são bonitas, mesmo na favela, onde ninguém apresenta rugas e todos têm os dentes perfeitamente brancos. Os favelados das novelas devem ter sido importados da Noruega ou da Finlândia. Excluídos os do México, é claro. A decoração dos barracos veio dos ateliês de Milão.
A função principal do ópio popular é o entorpecimento e a suspensão do raciocínio durante o tempo necessário para a consolidação da lavagem cerebral feita pelo merchandising noveleiro. Como efeito colateral, nas épocas de PPVS, auxilia na internalização da ladainha partidária. O uso de outras drogas que afetam o sistema nervoso central oneraria muito o processo. Além disso, seria necessário inserir mensagens dos patrocinadores comerciais nos programas de PPVS. Após a repetição da ladainha da defesa da ética, segurança, emprego, saúde, educação, entra o ópio televisivo. Findo este, todos processos cognitivos alternativos estão concluídos. Não consegui perceber ainda como escolhem um candidato, pois todos falam a mesma coisa. Deve ser algo relacionado à aparência ou ao timbre de voz.
Ontem tivemos ópio duplo. Havia jogo importante, após a novela. Comecei a perceber por que chamam o futebol de esporte inglês. Bretão não, pois seria francês. Havia muita neblina no campo, imitando o fog londrino. O próprio público encarregou-se de acender tochas para ajudar na visualização da bola. Achei tudo muito solidário.
Pena que falte educação a alguns jogadores. Cospem e assoam o nariz na frente de mais de 50 mil pessoas. Poderiam dirigir-se aos toaletes. Deveria haver um curso de etiqueta patrocinado pelos clubes ou pela CBF. Um lenço, com o logotipo dos patrocinadores, também não viria mal.
Alguns jogadores são masoquistas, com certeza. Raspam o cabelo e depois insistem em dar cabeçadas na bola ou em outro jogador careca. Aí fazem caretas horríveis de dor e rolam pelo gramado, atrapalhando os que querem levar o jogo adiante.
Surpreendente foi a atitude do juiz, frente à comovente demonstração de cristianismo de um dos jogadores. Num ato de laica soberba, expulsou de campo o pobre infeliz que agradecia a Jesus pelo gol recém feito. O fez brandindo um cartão vermelho, talvez alusão às suas próprias crenças.
Confesso que não consegui ainda assistir ao ópio das oito, postergado nesta época para o horário após os PPVS. Mas, pela repercussão na mídia e nas conversas de roda, poderiam exportar o modelo para o PPVS. Tornaria a coisa mais picante.
Já pensou, todo mundo contando sua primeira vez?

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