22.8.06

Rei Só, Rei Nu

Rei Só, Rei Nu.

Por Paulo Heuser

O Rei da Caótica gozava de imensa popularidade. Atingira um nível de aceitação pelo povo como nenhum outro antes conseguira. Uma das razões para explicar sua popularidade era a sua origem. O Rei nascera entre o povo. Uma vez guindado ao poder pela Casa a qual pertencia, cuidou para manter a aparência de humilde servo do Reino. Isso só fez aumentar sua popularidade.
O povo podia abraçar o Rei como um dos seus. Este compartilhava das maneiras e costumes dos plebeus. Distribuía grãos e galinhas por onde passava. Quando misturado à Corte, aprendera a se comportar como Nobre, apreciando as boas coisas que o Reino da Borgonha oferecia.
O Rei tinha ampla sustentação na Casa dos Nobres, parte dela conquistada através de pequenos agrados feitos pelos burgueses aos membros das diversas Casas, principalmente das Casas Menores. No entanto, uma das Casas Maiores queria depor o Rei e substituí-lo por um dos seus membros. Com fazê-lo, se o Rei gozava de ampla sustentação, tanto popular como da Casa dos Nobres?
Três Cavaleiros da Casa dos Emplumados, um já fora Rei, outro sonhava com a Coroa, reuniram-se em fina cantina, expoente máximo da culinária peninsular do Vêneto. Ao redor do melhor Gregoletto, discutiram a deposição do Rei. Seu candidato parecia nobre e forte, mas carecia do gosto popular. Excessivamente letrado e carente da rudeza dos campesinos, não teria respaldo popular. Enquanto a noite transcorria, em meio aos pratos da península itálica, tomaram ousada decisão, além de outro Gregoletto.
No curto prazo nada havia a ser feito para derrubar o Rei. Já haviam cortado a própria carne ao tornarem públicos fatos escandalosos que teriam acontecido na Casa dos Nobres, envolvendo a Casa dos amigos do Rei, as Casas Menores e as Casas Maiores. Apesar de terem derrubado os Grandes Príncipes da Casa Real, o Rei seguiu com a popularidade em alta. Tiveram de cortar mais fundo a própria carne, e a de outras Casas, para pensar no cetro e no trono dali a quatro anos. Novos escândalos atingindo as Casas Menores e as Casas Maiores vieram a público.
O Rei de tudo escapou, espalhando grãos e galinhas por onde passava. Seus inimigos lograram algum sucesso no enfraquecimento da Casa dos Nobres, desacreditados perante parte dos plebeus e da burguesia corrompida e corruptora, vítima e algoz.
Para resguardar o Nobre Candidato da Casa dos Emplumados do desgaste desnecessário de afrontar o Rei no seu auge, levaram-no a concorrer à liderança da maior Província Oriental. O Emplumado afastou-se da luta pelo poder real. Feito carta na manga.
Para desafiar o Rei, mandaram um Nobre Emplumado que não gozava nem de popularidade nem de impopularidade, na verdade não gozava de nada. Falava uma língua culta que os plebeus detestavam. Insistia em encontrar causas para os efeitos, na contramão do moderno processo político pós-maquiavélico. Também não distribuía grãos nem galinhas, nem passava. Sofreu o ataque das Hordas do Rei, servindo de escudo para o resguardado futuro Nobre Candidato. Ou para o jovem cavaleiro que sonhava.
Chegada a hora da escolha do novo Rei, este foi mantido. Algo aconteceu com a Casa dos Nobres, no entanto. Os já não tão nobres seguiram sua luta feroz pela manutenção do poder na Casa. O Rei perdera a sustentação das Casas Menores, envolvidas nos escândalos de então e nos sucedâneos. Daquela cartola muito coelho ainda saiu.
O Nobre Clã das Províncias Setentrionais do Coco, produtor monopolista do mel de marimbondo e tradicional sustentáculo real, passou a se desgastar nas lutas com seus pares das Províncias Meridionais, capitaneados pelo Mouro, que sonhava em dar o cetro e a coroa ao seu príncipe.
Em meio ao vazio de poder, dos calabouços se levantou terrível grito de revolta que todos assombrou, ecoando pelas ruas e alamedas das maiores Províncias, justificando o nome do Reino.
Em algum momento, algum plebeu privado de grãos e galinhas gritou:
- O Rei está nu!
Estou ficando velho para esse tipo de coisa. Eu sei que não devo comer pizza à noite, sempre acaba nesses terríveis pesadelos.

E-mail: prheuser@gmail.com

1 Comments:

At quarta-feira, 23 agosto, 2006, Anonymous Anônimo said...

pizza..

 

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