31.8.06

Johann Foi à Zona, João Se Danou.

Johann Foi à Zona, João Se Danou.

Por Paulo Heuser

A notícia do provável fechamento de uma fábrica de Volkswagen, em São Bernardo do Campo, e a conseqüente demissão de milhares de metalúrgicos, foram tragédias anunciadas. Faz quase três anos, quando foi assinado acordo entre a montadora e o Sindicato dos Metalúrgicos. Se a montadora se comprometeu a não demitir por três anos, seria de se esperar que começasse a demitir, após o término do prazo. Como demitiu os executivos envolvidos em um escândalo sexual, na matriz, em Wolfsburg, na Alemanha, onde teriam pago festas com prostitutas. Talvez para aumentar a potência dos seus automóveis, teriam distribuído aquele comprimido azul, através do plano médico.

A crescente automação dos processos de produção apenas retira postos de trabalho, com exceção das prostitutas, pelo visto. No episódio de São Bernardo falharam governos e sindicato. Há quem culpe os operários por não ter procurado outro emprego nesse meio tempo. Ora, qual é o metalúrgico de meia idade que procura um emprego, no mercado saturado que aí está, provavelmente vindo a perceber salário menor? O salário garante o presente. O futuro vem amanhã. Indesculpável é o fato de governos e sindicado não terem se adiantado na procura de alguma solução, mesmo que parcial. Parido o rebento, de nada adianta tentar anular a concepção.
Hoje vivemos a ressaca da globalização. Comprovamos na prática que o capital não tem pátria nem respeita fronteiras. Há apenas o mercado, o grande mercado.

Plantas industriais se tornaram algo como commodities, com prazo de validade. As empresas globalizadas não enxergam bandeiras, o que vale é o lucro. O que é perfeitamente natural, pois elas são propriedade dos acionistas que lá investiram seu dinheiro, para obter lucro. A maior parte da poupança dos aposentados norte-americanos está investida nessas empresas.

O Sr. John Doe não quer saber se alguém ficará desconfortável ao ser demitido, no Brasil ou na Argentina, quando a Acme Corp. fechar as portas da fábrica, para transferi-la para a China. John Doe ficará preocupado quando os lucros caírem. Quando estes caem, cai o presidente da Acme que leva de roldão os executivos que ganham grandes fortunas. Estes fazem o planejamento de longo prazo, coisa aparentemente desconhecida por aqui, especialmente pelos governos.

O Sr. Johann Von Wolfsburg sabe exatamente quanto tempo poderá durar seu casamento com o Terceiro Mundo, quando sorridente corta a fita inaugural de uma nova planta industrial. Se algo prejudicar a rentabilidade no meio tempo, fecha-se antes. Dificilmente depois, já que os bens de capital tornam-se obsoletos. A construção de uma nova planta pode ser mais interessante em outro local, pelos incentivos fiscais. O passivo trabalhista não corre atrás. Nova planta, novo país, novos empregados, em menor número desta vez.

Se a diretoria trabalhar bem, o corretor de ações do Sr. John Doe ficara feliz e manterá sua aposentadoria investida nas ações da Acme. Enquanto a Acme funcionar, a economia local é beneficiada, pelo surgimento de empregos diretos e indiretos. A renúncia fiscal, sempre controversa, é difícil de ser ponderada. Uns juram que vale a pena enquanto outros vociferam contra. Coisas de governo que estouram no fundilho das calças do contribuinte.

Findo o prazo dos benefícios fiscais, a planta tornada obsoleta, a Acme muda-se para outro país, deixando aqui as viúvas diretas e indiretas. Falar em mudança está errado. Apenas fecham em algum lugar e abrem uma planta nova em outro. Os sistemistas correm atrás da máquina. Tudo novo. Por mais dez anos? Se a conjuntura for favorável. Mudanças na política cambial podem precipitar as coisas. Afinal, o Sr. John Doe não é muito paciente, trata-se do seu dinheiro. E o Sr. Johann Von Wolfsburg gasta muito com orgias.

O fechamento de uma fábrica representa uma grande ruptura na economia local, súbita, mas previsível. Não adianta o Sr. João da Silva fingir que nada vê. O Sr. John Doe está controlando o resultado da aplicação das suas economias. E o Sr. Fung Li Ping está ansioso para empregar mais escravos no seu complexo fábrica-dormitório-senzala na China. O gigante acorda finalmente Acorda para o grande mercado, com muita fome.

Definitivamente, o capital do Sr. John Doe não tem pátria. Os escravos da senzala do Sr. Fung Li Ping, as prostitutas do Sr. Johann e o emprego do Sr. João da Silva têm.

O Sr. Johann Von Wolfsburg poderia se divertir, com o seu próprio capital, na Reeperbahn, rua-prostíbulo do bairro St. Pauli, de Hamburgo, Alemanha.

Aquilo sim é uma zona sem fronteiras.

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